A Pessoa e Obra do Espírito Santo (415)

6.4.10.2.5.1. A Pregação de Paulo entre os tessalonicenses (Continuação)

Fazendo uma pequena digressão, vimos que Calvino (1509-1564), já combatera a “fé implícita” – que era patente na teologia católica –, declarando que a nossa fé deve ser “explícita”. No entanto, ele ressalta que devido ao fato de que nem tudo foi revelado por Deus, bem como à nossa ignorância e pequenez espiritual, muito do que cremos permanecerá nesta vida de forma implícita.

          Ele comenta: “Que costume é esse de professar o evangelho sem saber o que ele significa? Para os papistas, que se deixam dominar pela fé implícita, tal coisa pode ser suficiente. Mas para os cristãos não existe fé onde não haja conhecimento”.[1]

          Pelas palavras de Calvino, podemos observar a necessidade latente do ensino e estudo constante da Palavra de Deus, a fim de que cada homem, sendo como é, responsável diante de Deus, tenha condições de se posicionar diante de Deus de forma consciente; a fé explícita é patenteada pela Igreja por intermédio do ensino da Palavra.[2]

          Tillich (1886-1965) interpretando esse fato, diz:

Cada indivíduo deve ser capaz de confessar os próprios pecados, experimentar o significado do arrependimento, e se tornar certo de sua salvação em Cristo. Essa exigência gerava um problema no protestantismo. Significava que todas as pessoas precisavam ter o mesmo conhecimento básico das doutrinas fundamentais da fé cristã. No ensino dessas doutrinas não se emprega o mesmo método para o povo comum e para os candidatos às ordens, ou para os futuros professores de teologia, com a prática do latim e grego, da história da exegese e do pensamento cristão. Como se pode ensinar a todos? Naturalmente, apenas se tornarmos o ensino extremamente simples.[3]

          Essa necessidade determina o uso cada vez mais evidente da razão, a fim de apresentar de forma mais razoável possível a doutrina, e ao mesmo tempo, de forma simples. Eis dois marcos do ensino ortodoxo: amplitude e simplicidade. O ser humano é responsável diante de Deus; ele dará contas de si mesmo ao seu Criador; portanto, tendo oportunidade, ele precisa conhecer devidamente a Palavra de Deus em toda a sua plenitude revelada.

          Nesse período são compostas diversas “Confissões”, que além de visar preservar a sã doutrina, objetivavam tornar clara e objetiva a fé dos crentes. Essas declarações de fé precisavam ser, até certo ponto, completas. Entretanto, precisavam ao mesmo tempo ser simples, para que o crente comum (não iniciado nas questões teológicas) pudesse entender o que estava sendo dito. Confrontando este ensinamento com a Palavra de Deus, o crente teria, assim, uma compreensão bíblica da sua fé. Nesse contexto e, com objetivos eminentemente didáticos, surgem os catecismos (Gr. Kathxe/w = “ensinar”, “instruir”, “informar”. Cf. Lc 1.4; At 18.25; 21.21,24; Rm 2.18; 1Co 14.19; Gl 6.6.), constituídos, ainda que não exclusivamente, com perguntas e respostas. Até o século XVI, a palavra “catecismo” não tivera sido usada neste sentido.[4] Os catecismos visavam servir para instruir as crianças e os adultos;[5] este é o motivo que contribuiu decisivamente para a proliferação de catecismos, sendo que a maioria deles jamais passou da forma manuscrita, visto que muitos pastores os elaboravam apenas para a sua congregação local, visando atender às suas necessidades doutrinárias.[6]

          Retornando ao nosso ponto, nunca devemos separar a evangelização da educação cristã visto que ambas caminham juntas e se completam. “Não podemos pensar na Igreja Cristã sem ensino, assim como não podemos pensar em um círculo sem um centro; ensino e ‘doutrina’ fazem parte de sua verdadeira natureza”, enfatiza Brunner.[7]

          O novo nascimento não é um produto acabado, final, antes, é o início de um novo caminho de vida modelado pelo Espírito por meio da Palavra. Assim a educação cristã é um processo natural e sobrenatural;[8]compete à igreja a tarefa de promover a fé dos eleitos. Conforme já citamos: “…. É somente através do ministério da Igreja que Deus gera filhos para si e os educa até que atravessem a adolescência e alcancem a maturidade”.[9]

 Maringá, 26 de fevereiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, Gálatas, (Gl 1.2), p. 25.

[2] “A Escritura é a escola do Espírito Santo, na qual, como nada é omitido não só necessário, mas também proveitoso de conhecer-se, assim também nada é ensinado senão o que convenha saber” (João. Calvino, As Institutas, III.21.3). Para uma visão a respeito das implicações deste conceito na prática educacional protestante, ver: Hermisten Maia Pereira da Costa, O Conceito de “Fé Explícita” e a Educação: Uma Perspectiva Reformada – Ensaio introdutório –, São Paulo, 2004.

[3]Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX, São Paulo: ASTE., 1986, p. 41.

[4]Cf. D.F. Wright, Catecismos: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, v. 1, p. 249.

[5]Veja-se: M. Lutero, Catecismo Maior, Prefácio, II.1-6: In: Os Catecismos, Porto Alegre; São Leopoldo, RS.: Concórdia; Sinodal, 1983, p. 391. Ver também: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005,p. 106.

[6] Daqui depreende-se que não foram somente eruditos que escreveram catecismos, mas também pastores, que estavam preocupados especificamente com a sua comunidade local (Veja-se: David. F. Wright, Catechism: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith, p. 60).

[7]Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 16.

[8]Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 64-65.

[9]João Calvino, Gálatas,São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.26), p. 144.

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