A Pessoa e Obra do Espírito Santo (413)

6.4.10.2.5.1. A Pregação de Paulo entre os tessalonicenses

O livro de Atos registra que Paulo por três semanas pregou, conforme seu costume, na sinagoga de Tessalônica.

            Lucas usa alguns termos muito interessantes para descrever a pregação de Paulo:

Tendo passado por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus. Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los e, por três sábados, arrazoou (diale/gomai) com eles acerca das Escrituras, expondo (dianoi/gw) e demonstrando (parati/qhmi) ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio. Alguns deles foram persuadidos (pei/qw) e unidos a Paulo e Silas, bem como numerosa multidão de gregos piedosos e muitas distintas mulheres” (At 17.1-4).

            Analisemos os verbos usados por Lucas:

a) “Arrazoar” (diale/gomai).[1] No grego clássico a palavra tinha o emprego usual de “conversar” ou “discutir”. (Ver: Mc 9.34). A partir de Sócrates (469-399 a.C.) passou a ser usada com o sentido de persuasão por meio de perguntas e respostas.

            Em Aristóteles (384-322 a.C.), tem o sentido de investigação dos fundamentos últimos do conhecimento.[2] Daí o sentido de argumentar, conduzir uma discussão e discursar, envolvendo sempre a ideia de estímulo intelectual por intermédio do intercâmbio de  ideias.[3] Enfim, envolvia uma argumentação com o propósito de persuadir, sendo permitida à congregação fazer perguntas.[4]

            Paulo, portanto, passou três semanas fazendo perguntas, ouvindo indagações, respondendo, argumentando com respeito ao Antigo Testamento e à Pessoa de Cristo. A pregação do Evangelho envolve raciocínios e argumentos. Lucas registra também que em Corinto: “Todos os sábados [Paulo] discorria (diale/gomai)na sinagoga, persuadindo tanto judeus como gregos”(At 18.4).

            Este era o método habitual de Paulo. Ele usou do mesmo recurso na sinagoga de Tessalônica (At 17.2);[5] na sinagoga de Atenas e na praça (At 17.17);[6] na sinagoga de Éfeso e na escola de Tirano durante dois anos (At 18.19; 19.8-10),[7] na igreja em Trôade (At 20.7,9)[8] e diante de violento Procurador Félix (At 24.25).[9]

b) “Expor” (dianoi/gw).[10] “Abrir completamente”. Tem o sentido figurado de “explanar” e “interpretar”. Ou seja: pelo Espírito, a exposição de Paulo tornava a mensagem compreensível, “abria o significado” do texto, evidenciado a sua aplicabilidade ao contexto de seus ouvintes (Cf. Lc 24.31-32).[11] As pessoas poderiam não crer no que foi proclamado; contudo, não poderiam alegar falta de compreensão.

c)“Demonstrar (parati/qhmi).[12] “Colocar ao lado”, “colocar diante de”. Figuradamente tem o sentido de apresentar evidências; ou seja, provar com passagens bíblicas a veracidade de seu argumento. “Citar para provar”, “demonstrar”. Ou seja: Paulo argumentava biblicamente o que ensinava, demonstrando, por exemplo, o cumprimento das profecias em Cristo e, ao mesmo tempo, confrontava as teses de seus oponentes com textos bíblicos.

d) “Persuadir(pei/qw), que significa convencer despertando a confiança de alguém sobre o quê foi persuadido, “dar crédito” (At 27.11). Lucas também registra que alguns dos judeus e numerosa multidão de gregos – homens e mulheres distintas –, “foram persuadidos (pei/qw) e unidos a Paulo e Silas….” (At 17.4). Paulo esforçava-se por persuadir os seus ouvintes a respeito do Evangelho (At 13.43; 18.4;19.8,26; 26.28; 28.23-24; 2Co 5.11).[13]

            “Paulo não procurava dar origem à fé no Deus único e, sim, persuadir os ouvintes quanto à graça que acabava de ser dada por meio de Cristo”, comenta Becker.[14] Seus ouvintes são seriam levados à fé simplesmente pela sabedoria humana. No entanto, devemos estar conscientes que a proclamação não exclui de forma alguma a nossa razão.[15]

Maringá, 26 de fevereiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] A palavra tem o sentido de “dissertar” (At 17.17; 19.8; 24.25); “discorrer” (At 18.4; 19.9; Hb 12.5); “pregar” (At 18.19); “exortar” (At 20.7); “discursar” (At 20.9); “discutir” (At 24.12); “disputar” (Jd 9).

[2]Ver: Gottlob Schrenk, diale/gomai: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 2, p. 93.

[3]Cf. A.T. Robertson, “Word Pictures in the New Testament, Volume 3 – Acts,” The Master Christian Library, (CD-ROM), Version 8 (Rio, Wi: Ages Software, 2000),in loc.

[4]Cf. D. Furst, Pensar: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 3, p. 515.

[5] “Paulo, segundo o seu costume, foi procurá-los e, por três sábados, arrazoou com (diale/gomai) eles acerca das Escrituras” (At 17.2).

[6]“Por isso, dissertava (diale/gomai) na sinagoga entre os judeus e os gentios piedosos; também na praça, todos os dias, entre os que se encontravam ali” (At 17.17).

[7]“Chegados a Éfeso, deixou-os ali; ele, porém, entrando na sinagoga, pregava (diale/gomai) aos judeus” (At 18.19). “Durante três meses, Paulo frequentou a sinagoga, onde falava ousadamente, dissertando (diale/gomai) e persuadindo com respeito ao reino de Deus. Visto que alguns deles se mostravam empedernidos e descrentes, falando mal do Caminho diante da multidão, Paulo, apartando-se deles, separou os discípulos, passando a discorrer (diale/gomai)diariamente na escola de Tirano. Durou isto por espaço de dois anos, dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos” (At 18.8-10).

[8]“No primeiro dia da semana, estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia imediato, exortava-os (diale/gomai)e prolongou o discurso até à meia-noite. (…) Um jovem, chamado Êutico, que estava sentado numa janela, adormecendo profundamente durante o prolongado discurso (diale/gomai)de Paulo, vencido pelo sono, caiu do terceiro andar abaixo e foi levantado morto” (At 20.7,9).

[9]Dissertando (diale/gomai)ele acerca da justiça, do domínio próprio e do Juízo vindouro, ficou Félix amedrontado e disse: Por agora, podes retirar-te, e, quando eu tiver vagar, chamar-te-ei” (At 24.25).

[10]A palavra tem o sentido de “expor” (Lc 24.32) e, especialmente, de “abrir”: abrir o ventre (Lc 2.23); abrir o céu (At 7.56). No sentido figurado: abrir os ouvidos (Mc 7.34-35); abrir os olhos para que compreenda (Lc 24.31/Gn 3.5,7); abrir o coração (At 16.14); abrir a mente (Lc 24.45).

[11]Comentando At 16.14, onde a mesma palavra é empregada, Stott escreve: “Percebemos que a mensagem era de Paulo, mas a iniciativa salvadora vinha de Deus. A pregação de Paulo não era efetiva em si mesma; o Senhor operava através dela. E a obra do Senhor não era direta em si; Ele preferiu operar por intermédio da pregação de Paulo. Sempre é assim” (John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da Terra, São Paulo: ABU Editora, 1994, (At 16.13-15), p. 296).

[12] Significa “propor” (Mt 23.24,31); “distribuir” (Mc 6.41; 8.6-7); oferecer (Lc 10.8; 11.6); confiar (Lc 12.48); entregar (Lc 23.46); encomendar (At 14.23; 20.32; 1Pe 4.19); “pôr diante de” (1Co 10.27); “encarregar” (1Tm 1.18); transmitir (2Tm 2.2).

[13]“Despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram Paulo e Barnabé, e estes, falando-lhes, os persuadiam (pei/qw) a perseverar na graça de Deus” (At 13.43). “E todos os sábados discorria na sinagoga, persuadindo (pei/qw) tanto judeus como gregos” (At 18.4). “Durante três meses, Paulo frequentou a sinagoga, onde falava ousadamente, dissertando e persuadindo (pei/qw) com respeito ao reino de Deus” (At 19.8). Demétrio insuflando o povo: “e estais vendo e ouvindo que não só em Éfeso, mas em quase toda a Ásia, este Paulo tem persuadido (pei/qw) e desencaminhado muita gente, afirmando não serem deuses os que são feitos por mãos humanas” (At 19.26). “Então, Agripa se dirigiu a Paulo e disse: Por pouco me persuades (pei/qw) a me fazer cristão” (At 26.28). “Havendo-lhe eles marcado um dia, vieram em grande número ao encontro de Paulo na sua própria residência. Então, desde a manhã até à tarde, lhes fez uma exposição em testemunho do reino de Deus, procurando persuadi-los (pei/qw) a respeito de Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas. Houve alguns que ficaram persuadidos (pei/qw) pelo que ele dizia; outros, porém, continuaram incrédulos” (At 28.23-24). “E assim, conhecendo o temor do Senhor, persuadimos (pei/qw) os homens e somos cabalmente conhecidos por Deus; e espero que também a vossa consciência nos reconheça” (2Co 5.11).

[14]O. Becker, Fé: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2, p. 214.

[15] Veja-se o excelente tópico do livro de Stott: John R.W. Stott, Crer é também Pensar, São Paulo: ABU., 1984 (2ª impressão), p. 45-51.

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