A Pessoa e Obra do Espírito Santo (398)

4) A Santidade como meta (Continuação)

Sem contendas

Paulo continua a sua argumentação: “Fazei tudo sem murmurações nem contendas (dialogismo/j) (Fp 2.14). A palavra dialogismo/j tem o sentido de disputa, discussão, especulação, questionamento interior, questionamento cético ou crítico, litígio, dissensão, argumentos. Nos papiros se refere às discussões forenses.

O emprego desta palavra no Novo Testamento é sempre negativo:

  1. Maus pensamentos e desígnios: Mt 15.19; Mc 7.21; Tg 2.4.
  2. Dúvida como resultado da incredulidade: Lc 24.38.
  3. Discussão insensata: Lc 9.46-47; Rm 14.1.
  4. Pensamentos nulos: Rm 1.21; 1 Co 3.21.
  5. Animosidade: 1Tm 2.8.

A palavra descreve disputas e debates inúteis e até mal-intencionados, que engendram dúvidas e vacilações. Paulo diz que a obediência cristã deve ser serena, sem o desejo de lançar dúvidas sobre aquilo que é claro.

Calvino, bem ao seu estilo, enfatiza que “onde os homens amam a disputa, estejamos plenamente certos de que Deus não está reinando ali”. [1]

Em outros lugares, segue a minha linha de forma contundente:

Tudo o que não edifica deve ser rejeitado, ainda que não tenha nenhum outro defeito; e tudo o que só serve para suscitar controvérsia deve ser duplamente condenado. Tais são todas as questões sutis nas quais os homens ambiciosos praticam suas habilidades. É mister que lembremos de que todas as doutrinas devem ser comprovadas mediante esta regra: aquelas que contribuem para a edificação devem ser aprovadas, mas aquelas que ocasionam motivos para controvérsias infrutíferas devem ser rejeitadas como indignas da Igreja de Deus. Se este houvera sido aplicado há muitos séculos, então, ainda que a religião viesse a se corromper por muitos erros, ao menos a arte diabólica das controvérsias ferinas, a qual recebeu a aprovação da teologia escolástica, não haveria prevalecido em grau tão elevado. Pois tal teologia outra coisa não é senão contendas e vãs especulações sem qualquer conteúdo real de valor. Por mais versado um homem seja nela, mais miserável o devemos considerar. Estou cônscio dos argumentos plausíveis com que ela é defendida, mas jamais descobrirão que Paulo haja falado em vão ao condenar aqui tudo quanto é da mesma natureza. (…) Sutilezas desse gênero edificam os homens na soberba e na vaidade, mas não em Deus.[2]

Visto que todos os questionamentos supérfluos que não se inclinam para a edificação devem ser com toda razão suspeitos e mesmo detestados pelos cristãos piedosos, a única recomendação legítima da doutrina é que ela nos instrui na reverência e no temor de Deus.[3]

          A verdade é que muitas vezes nós perdemos muito tempo com especulações e discussões estéreis que não conduzem a nada, exceto à desobediência. Devemos obedecer com serenidade os mandamentos de Deus sem ficar lhe inquirindo sobre o seu propósito.

          Por outro lado, quando refletimos e discutimos sinceramente com o propósito de entender melhor a Palavra de Deus, sua abrangência e aplicabilidade a circunstâncias concretas, aí sim, estamos de fato produzindo um raciocínio útil, esclarecedor e edificante.

          Stagg (1911-2001) amplia a aplicação do pensamento de Paulo:

Paulo queria que os filipenses estivessem livres tanto de murmuração particular uns contra os outros como de discussões públicas. A igreja não deve ser clube de fofoca nem uma sociedade de debates. Ambas as palavras, murmurações e contendas, descrevem aspectos de um temperamento de autoafirmação, o oposto da mente de Cristo.[4]

Enquanto a murmuração é uma rebelião moral, as contendas se constituem em uma rebelião espiritual contra o Senhor.[5]

Positivamente, temos o caso de Abraão, conforme descrito em Hebreus: “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu (u(pakou/w), a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia” (Hb 11.8).

          A obediência é, portanto, filha da fé e neta eleição. Deus nos transformou em “filhos da obediência”, devendo esta nossa nova condição ser visível em todas as áreas de nossa vida. Como tais, temos um novo modelo; daí a orientação de Pedro: “Como filhos da obediência (u(pakoh/), não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância; 15 pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento” (1Pe 1.14-15).

Maringá, 02 de fevereiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.33), p. 436.

[2] João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.4), p. 30.

[3]João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos (Tt 1.1), p. 300.

[4] Frank Stagg,Filipenses: In: Comentário Bíblico Broadman,Rio de Janeiro: JUERP., 1985, v. 11, p. 242-243.

[5] Veja-se: Marvin R. Vincent, Word Studies in the New Testament,Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, [s.d.], v. 3, (Fp 2.14), p. 438-439.

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