A Pessoa e Obra do Espírito Santo (384)

6.4.9.1.5. Na disciplina (Continuação)

Meditando sobre a repreensão de Deus, Elifaz diz a Jó: “Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina (יכח) (LXX: e)le/gxw); não desprezes (sa;m’) (ma’as), pois, a disciplinado Todo-Poderoso. 18Porque ele faz a ferida e ele mesmo a ata; ele fere, e as suas mãos curam” (Jó 5.17-18/Pv 15.32).

          De semelhante modo, instrui Salomão: “Filho meu, não rejeites a disciplina (paidei/a) do Senhor, nem te enfades de sua repreensão (LXX: e)le/gxw). Porque o Senhor repreende (LXX: paideu/w) a quem ama, assim como o Pai ao filho a quem quer bem” (Pv 3.11-12).

          Por outro lado, devemos ter a confiança de que se buscarmos a Deus arrependidos de nossos pecados, confiantes em sua misericórdia, Ele não nos desamparará. Como já dissemos, a disciplina de Deus deve ser olhada como uma manifestação de seu amor e cuidado para com o seu povo.

          No livro de Apocalipse, encontramos a declaração explícita de Jesus Cristo à Igreja de Laodicéia: “Eu repreendo (e)le/gxw) e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso, e arrepende-te” (Ap 3.19).

          Por isso, Paulo recomenda a Timóteo que pregue a Palavra, porque ela de fato é útil para a correção: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige (e)le/gxw), repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2).

          Em outro lugar, o apóstolo insiste com Tito para que repreenda os falsos mestres a fim de que eles tenham uma fé sadia: “Portanto, repreende-os (e)le/gxw) severamente para que sejam sadios na fé” (Tt 1.13).

          A disciplina misericordiosa de Deus conduz-nos arrependidos de volta a Ele. Confessa o salmista: “Antes de ser afligido (hfnf()[1] andava errado, mas agora guardo a tua palavra (…). Foi-me bom ter passado pela aflição (hfnf(), para que aprendesse os teus decretos” (Sl 119.67,71).

“Deus ao afligir-nos quer submeter-nos ao si mesmo, sim, para nosso benefício e para nossa salvação”, comenta Calvino.[2] De fato, com a disciplina do Senhor podemos aprender a sua Palavra, nos alegrando, posteriormente,pela “aflição pedagógica” de Deus. Por isso, o salmista Moisés, que tanto sofrimento suportara na condução do povo de Israel à Terra Prometida, suplica a Deus: “Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido (hfnf(), por tantos anos quantos suportamos a adversidade”(Sl 90.15).[3]

A misericórdia de Deus nos assiste nos disciplinando para o nosso aperfeiçoamento.

A mão de Deus sobre Davi era extremamente pesada; contudo, era um peso pressionado com amor. A disciplina de Deus mostra por um lado a sua insatisfação com o pecado. Por outro, devido a ação do seu Espírito, leva o homem arrependido, à correção de seus atos pecaminosos.

          Na disciplina de Deus, Ele, além de revelar a sua justiça, tem, em seus filhos, este propósito primordial: conduzir-nos ao arrependimento:

Porque a Deus não Lhe basta ferir-nos com sua mão, a menos que também nos toque interiormente com Seu Espírito Santo. (…) Até que Deus nos toque no mais profundo de nosso interior, é certo que não faremos nada senão dar coices contra Ele, cuspindo mais e mais veneno; e toda vez que nos castigue rangeremos os dentes, e nada mais faremos senão atacar-Lhe. (…) Então vocês veem como Deus mostra Sua justiça cada vez que castiga aos homens, ainda que dito castigo resulte não em uma correção para sua corre

É por isso que as aflições, vezes sem conta, são meios pedagógicos dos quais Deus se vale para nos disciplinar, nos conduzindo ao despertar de nossa consciência quanto ao pecado cometido, e ao arrependimento, buscando o seu perdão.[4]

          Do que analisamos neste tópico, podemos extrair algumas lições:

a) A essência e gravidade do pecado consistem no fato de que Ele é primeira e essencialmente contra Deus, Aquele que é Santo e Majestoso. O pecado é tão catastrófico e danoso que somente Deus pode tratá-lo adequadamente. Ele o fez na cruz.[5]

b) Todos estamos sujeitos ao pecado que nos circunda. As Escrituras não ocultam o fato de que diversos servos piedosos caíram gravemente.[6] Sem a revelação bíblica do pecado, da sua vileza, alcance e penetração, jamais poderíamos ter uma visão correta de quem nos tornamos.

c) A luta contra o pecado continuará por toda a nossa vida, portanto, a necessidade de uma vida de arrependimento e súplica por perdão.

d) A Palavra de Senhor é útil para evidenciar o nosso erro, mostrando-nos o paradigma definitivo que é Cristo Jesus.

e) Deus nos deu a sua Palavra para, entre outras coisas, nos guiar, consolar e corrigir. A repreensão do Senhor indica a nossa não conformidade com a sua Palavra e revela também o seu amor por nós. Devemos, portanto, nos entristecer com o nosso pecado e nos alegrar com a repreensão amorosa do Senhor. A repreensão de Deus, conforme as Escrituras, visa a nossa restauração espiritual.

f) Devemos pregar a Palavra, entendendo que Deus convence o mundo, agindo pelo Espírito por intermédio da Palavra. Deste modo, a força de nossa argumentação não está em nossa sabedoria, mas, sim, em pregar a Palavra com fidelidade e autoridade. Por isso, Paulo fala ao jovem Tito: “Dize estas cousas; exorta e repreende (e)le/gxw) também com toda a autoridade. Ninguém te despreze” (Tt 2.15).

g) Por inferência, podemos também dizer que o critério de correção de nossos filhos deve estar sempre fundamentado nos princípios bíblicos, visto ser a Escritura útil para o ensino e repreensão.

h) A disciplina visa honrar o nome de Deus por meio de sua Igreja, a qual Ele comprou com o Seu próprio sangue (At 20.28).

Armstrong é enfático:

Se fracassarmos em honrar o glorioso nome de Cristo negligenciando a responsabilidade de disciplinar os irmãos caídos, então o respeito do mundo por nós diminuirá também. Ao longo do tempo, os membros da igreja irão perder a confiança nela. (…) Quando o comportamento ético falha em honrar a Deus, tanto o nome dele quanto seus ensinamentos são ‘blasfemados’ (1Tm 6.1), e o caminho da verdade é ‘infamado’ (2Pe 2.2).[7]

          Essa consciência deve propiciar um sentimento de verdadeira humildade: “Não há outro modo de obtermos consolação quando nos vemos em aflições, senão lançando de nós toda obstinação e orgulho e submetendo-nos humildemente à disciplina divina”, enfatiza Calvino.[8]

  Maringá, 16 de janeiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] A palavra hebraica (hfnf() (‘ãnãh) tem o sentido de “aflito”, “oprimido”, com o sentimento de impotência, consciente de que o seu resgate depende unicamente da misericórdia de Deus. Esta palavra é contrastada com o orgulho, que se julga poderoso para resolver todos os seus problemas, relegando Deus a uma posição secundária, sendo-Lhe indiferente.

            hfnf( (‘ãnãh) apresenta também a ideia de ser humilhado por outra pessoa: (Gn 16.6; 34.2; Ex 26.6; Dt 22.24,29; Jz 19.24; 20.5).

[2]Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 53.

[3]“…. os crentes são açoitados, não para com isso satisfazerem à ira de Deus, nem para pagarem o que é devido ao juízo que Ele lhes impõe, mas a fim de aproveitarem a oportunidade para arrependimento e para retorno ao bom caminho” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 177).

[4]“Os homens são incapazes de sentir seus pecados a menos que sejam levados pela força a conhecer-se por si mesmos. Por isso, vendo que a prosperidade nos embriaga de tal maneira, e que quando estamos em paz cada um se adula em seus pecados; temos que sofrer pacientemente as aflições de Deus. Porque a aflição é a autêntica mestra que leva os homens ao arrependimento para que se condenem eles mesmos diante de Deus e, sendo condenados, aprendam a odiar aqueles pecados nos quais anteriormente se banhavam” (Juan Calvino, El Uso Adecuado de la Afliccion: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 19), p. 226).

[5] “O pecado é tão terrível, tão sórdido e tão vil que nada pode tratá-lo satisfatoriamente, senão o sangue de Cristo” (D.M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 160).

[6]“Não é questão de julgar alguém por um ou dois ou três fatos, pois, às vezes acontece que os mais santos caem grosseiramente em pecado” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.4), p. 104).

[7]John Armstrong, Chorar pelos que erram e os caídos erguer: In: John F. MacArthur Jr., et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 94.

[8]João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Parakletos, 1999, v. 2, (Sl 38.6-8), p. 182.

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