A Pessoa e Obra do Espírito Santo (339)

C) Trabalham para prestar contas a Deus, o reto Juiz

2Ora, além disso, o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel. 3 Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós ou por tribunal humano; nem eu tampouco julgo a mim mesmo. 4 Porque de nada me argui a consciência; contudo nem por isso me dou por justificado, pois quem me julga é o Senhor. 5Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu louvor da parte de Deus. (1Co 4.2-5).

            O despenseiro fiel tem em vista sempre que prestará contas a Deus do uso que fez do que lhe foi confiado. O seu compromisso é com o seu Senhor (Rm 14.4).[1] Neste sentido, Paulo não se preocupava, simplesmente, em agradar homens, mas em ser fiel ao que o vocacionara. Em breve ele, como todos nós, teria de apresentar-se perante o Senhor.

            Ele sabia que tinha de pregar o Evangelho, sendo esta “a responsabilidade de despenseiro (oi)konomi/a)[2] que me está confiada” (1Co 9.17). Ele e seus irmãos eram “despenseiros dos mistérios de Deus” (1Co 4.1). Por isso, Paulo não tem preocupação em julgar-se, visto que o seu juízo seria parcial, como também o dos coríntios.

            No entanto, o não juízo, não indica a ausência de culpa visto que quem julga é Deus. A nossa consciência não serve de critério absoluto para nos condenar, ou absolver. A nossa consciência não é suficiente para nos justificar (dikaio/w)[3] (1Co 4.4). Uma consciência limpa, sem nada que a incomode, não torna um homem inocente.[4]

Calvino (1590-1564) faz um comentário pertinente e iluminador:

Vemos que a Sua justiça não se satisfaz com obras humanas, sejam quantas e quais forem, e que ela nos acusa de mil crimes, sem que possamos purificar ou pagar sequer um. Certo é que o próprio apóstolo Paulo, que era um vaso escolhido, tinha isso bem presente em seu coração quando confessou que, não tendo má consciência, ou não sendo acusado de nada por sua consciência, apesar disso não se julgava justificado (1Co 4.4). Porque, se as estrelas, que durante a noite se veem tão claras e brilhantes, perdem toda a sua luz quando sai o sol, que pensamos nós que vai acontecer com a maior inocência que se possa imaginar no homem, quando for comparada com a pureza de Deus?

Porque será um exame estupendamente rigoroso e sondará os pensamentos mais secretos do coração; e, como diz o apóstolo Paulo (1Co 4.5), o Senhor “não somente trará à plena luz as cousas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações”, constrangendo a consciência, embora esta resista ou recue, a produzir daí em diante o que até então tinha deixado no esquecimento.[5]

            A questão é não nos precipitarmos em nossos julgamentos, visto que além de falharmos em nossos critérios,[6] não dispomos de todas as informações.

            Paulo confia no juízo de Deus:

  1. Será no tempo determinado: “Nada julgueis antes de tempo” (5).
  2. É certo: “Até que venha o Senhor” (5).
  3. Será Justo: “O qual não somente trará à plena luz as cousas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações” (5).
  4. Será Galardoador: “E então cada um receberá o seu louvor da parte de Deus” (5).

            No entanto, de passagem, podemos notar que somos alvos diários de juízos dos outros. É preciso que não nos abalemos em nossa jornada para que não nos dispersemos, desviando-nos do propósito de fidelidade a Deus (1Co 4.3).

            Na certeza do juízo de Deus, temos motivo de consolo. Deus governa a história e as nossas vocações. O Senhor é o juiz.

            Comentando o Salmo 62, Calvino escreve:

O Deus que governa o mundo por sua providência o julgará com justiça. A expectativa disto, devidamente apreciada, terá um feliz efeito na disposição de nossa mente, acalmando a impaciência e restringindo qualquer disposição ao ressentimento e retaliação em face de nossas injúrias.[7]

            Em outro lugar:

As coisas neste mundo não são governadas de uma maneira uniforme. (…) Deus reserva uma grande parte dos juízos que se propõe executar para o dia final, para que nós estejamos sempre em suspenso, esperando a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.[8]

Maringá, 12 de novembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso para o suster” (Rm 14.4).

[2] A palavra grega é traduzida por “responsabilidade de despenseiro”.

[3] dikaio/w = “absolvido de acusação”, “declarado inocente”.

[4]Veja-se: Timothy Keller, Ego transformado, São Paulo: Vida Nova,  © 2014, 2019, p. 18.

[5]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.6), p. 198-199.

[6] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 129.

[7] João Calvino,O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 62.12), p. 584. “Não obstante a confusão reinante no mundo, é certo que Ele jamais cessa de exercer a função de Juiz. Todos quanto se derem ao trabalho de abrir seus olhos para contemplarem o governo do mundo, verão distintamente que a paciência de Deus é muito diferente de aprovação ou conivência. Seguramente, pois, seu próprio povo, confiadamente, a Ele recorrerá a cada dia” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 7.11), p. 149).

[8]Juan Calvino, El Uso Adecuado de la Afliccion: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 19), p. 226.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *