A Pessoa e Obra do Espírito Santo (281)

6.4.7.3. Os Presbíteros como servos de Deus no Corpo de Cristo

Introdução: Homens de verdade que temam ao Senhor

Quando o sogro de Moisés o aconselha a nomear auxiliares para julgar o povo, sugere o critério: “Procura dentre o povo homens capazes (lyIx;) (hayil) (pessoas hábeis, honradas e de bem), tementes (arey) (yare’) a Deus, homens de verdade (tm,a/) (‘emeth) (fiel, digno de confiança), que aborreçam a avareza….” (Ex 18.21).

Estes homens, são qualificados de “homens de verdade”; ou seja: são honrados, íntegros, dignos de confiança. De passagem, podemos dizer que aqui temos um indicativo do significado de hombridade: ser fiel, digno de confiança.

          Moisés preparando o povo para entrar na Terra Prometida incumbiu aos sacerdotes de organizarem a Festa dos Tabernáculos, uma das três solenidades obrigatórias a todos os judeus.[1]Nesta solenidade o povo apresentava ofertas a Deus como reconhecimento de suas bênçãos (Dt 16.17):[2]

Quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel.12 Ajuntai o povo, os homens, as mulheres, os meninos e o estrangeiro que está dentro da vossa cidade, para que ouçam, e aprendam, e temam (arey) (yare’) o SENHOR, vosso Deus, e cuidem de cumprir todas as palavras desta lei; 13 para que seus filhos que não a souberem ouçam e aprendam a temer (arey) (yare’) o SENHOR, vosso Deus, todos os dias que viverdes sobre a terra à qual ides, passando o Jordão, para a possuir. (Dt 31.11-13).

          O temor do Senhor – o senso de sua grandeza e majestade – deve estar diante de nós, de nossos pensamentos, desejos, projetos e atitudes. Este deve ser o princípio orientador de nossa vida.

          Calvino faz uma analogia pertinente e esclarecedora:

Visto que os olhos são, por assim dizer, os guias e condutores do homem nesta vida, e por sua influência os demais sentidos se movem de um lado para o outro, portanto dizer que os homens têm o temor de Deus diante de seus olhos significa que ele regula suas vidas e, exibindo-se-lhes de todos os lados para onde se volvam, serve de freio a restringir seus apetites e paixões.[3]

          Por meio deste princípio orientador e regulador temos os nossos olhos abertos para as maravilhas de Deus. Longe de ser algo inibidor, é libertador de uma visão míope e cativa de sua percepção enferma. “Temer a Deus não é o fim da sabedoria, mas o começo. Uma pessoa que teme a Deus pode se abrir para as alturas vastas e vertiginosas do conhecimento. Aqueles que ‘praticam’ esse temor de Deus podem ter um ‘bom entendimento’ de tudo”, interpreta Veith, Jr.[4]

          A educação bíblica é magnificamente completa, envolvendo o ensino sobre a santidade e a misericórdia de Deus. Mostra-nos o Deus absoluto e, o quanto carecemos dele.

          Portanto, biblicamente, devemos caminhar dentro desta perspectiva: Deus é santo/majestoso, isto nos leva a reverenciá-lo com santo temor. Mas também, Deus é misericordioso, portanto, devemos amá-lo com toda a intensidade de nossa existência. A santidade nos fala de sua justiça. A misericórdia nos conduz a refletir sobre o seu incomensurável amor que fez com que Ele se desse a conhecer, consumando a sua revelação em Jesus Cristo, o Deus encarnado (Hb 1.1-4).

          A eliminação de uma dessas duas percepções do ser de Deus nos conduziria a uma compreensão equivocada de quem é Deus e, consequentemente de nosso relacionamento com Ele. Uma teologia equivocada promove uma fé distorcida que termina por se frustrar em suas próprias expectativas estranhas às promessas de Deus. A genuína vida cristã parte sempre de uma compreensão adequada do Deus infinito e pessoal; o Deus que se revela.

          O nosso amor a Deus começa pelo conhecimento de sua majestade. Downs enfatiza corretamente: “O amor por Deus deve estar enraizado apropriadamente no solo de nosso temor de Deus”.[5] Portanto, devemos não simplesmente temer o castigo de Deus, antes temer pecar contra Deus, o nosso Santo e Majestoso Senhor.

          O salmista Davi depois de grande prova e livramento, escreve: “Vinde, filhos, e escutai-me; eu vos ensinarei (dml) (lâmad)[6] o temor (ha’r>yI) (yir’ah) do SENHOR” (Sl 34.11). Restaurado por Deus após ter pecado, confessado e se arrependido, Davi propõe-se a ensinar o caminho de Deus: “Então, ensinarei (dml) (lâmad) aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores se converterão a ti” (Sl 51.13).

          O ensino sobre Deus, envolve, portanto, a sua justiça e misericórdia perdoadora.

          O temor de Deus é algo essencial à vida cristã. A Palavra nos mostra em diversas passagens como este temor longe de ser algo que nos afaste de Deus  causando uma ansiedade paralisante,[7] é resultado do conhecimento de Deus, do seu amor, bondade, misericórdia, santidade, justiça e glória.[8] O temor do Senhor é uma relação de graça por meio da qual podemos conhecer a Deus, nos relacionar com Ele tendo alegria e gratidão por temê-lo. O amor como compromisso nos estimula a servir a Deus em alegre obediência. “A graça e o favor de Deus não abolem a solenidade do trato”, comenta Mundle.[9] O nosso santo temor a Deus se manifesta em amor obediente.[10]

          O temor de Deus envolve o senso de nossa pequenez e da sua maravilhosa graça. O temor de Deus é um encantamento com a sua majestade e a consciência de nosso pecado e carência de Sua misericórdia. Aliás, o Senhor é quem nos ensina a temê-lo e reverenciá-lo. Estou convencido que o temor de Deus é um aprendizado de amor que se manifesta em admiração, obediência e culto[11] tendo implicações em todas as áreas de nossa vida. Temer a Deus deve ser o princípio orientador de nossa vida e decisões. Temer a Deus é graça! Por isso, como veremos, são bem-aventurados aqueles que temem ao Senhor. Analisemos agora alguns aspectos deste assunto tão fascinante.

          Após o retorno do cativeiro babilônio, quando Neemias explica a nomeação de Hananias para supervisionar a segurança da cidade de Jerusalém, ele apresenta o critério do qual se valeu:

Ora, uma vez reedificado o muro e assentadas as portas, estabelecidos os porteiros, os cantores e os levitas, 2 eu nomeei Hanani, meu irmão, e Hananias, maioral do castelo, sobre Jerusalém. Hananias era homem fiel (tm,a/) (‘emeth) (verdadeiro, digno de confiança) e temente (arey) (yare’) a Deus, mais do que muitos outros (Ne 7.1-2).

          Creio que esse princípio geral deve reger a eleição de nossos líderes da igreja, especialmente os presbíteros e diáconos.

Maringá, 31 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Ela ocorria no final do ano, quando eram reunidos os trabalhadores do campo. Nesses dias todos os judeus deveriam habitar em tendas de ramos: “Sete dias habitareis em tendas de ramos; todos os naturais em Israel habitarão em tendas; para que saibam as vossas gerações que eu fiz habitar os filhos de Israel em tendas, quando os tirei da terra do Egito….” (Lv 23.42-43). Esta festa era caracterizada por grande alegria: Alegrar-te-ás, na tua festa, tu, e o teu filho, e a tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita, e o estrangeiro, e o órfão, e a viúva que estão dentro das tuas cidades” (Dt 16.14). Assim descreve Edersheim (1825-1889): “A mais alegre de todas as festas do povo israelita era a Festa dos Tabernáculos. Ela caía justamente num tempo do ano, em que todos os corações estavam repletos de gratidão, de contentamento e de esperança. Já as colheitas estavam guardadas nos celeiros; todos os frutos estavam também sendo recolhidos, a vindima estava feita, e a terra aguardava apenas que as ‘últimas chuvas’ amolecessem e refrescassem o chão, a fim de que nova colheita fosse preparada. (…) Ao lançar os olhos para a terra dadivosa e para os frutos que os havia enriquecido, deveriam os israelitas lembrar-se de que só pela miraculosa intervenção divina tinham eles conquistado esta pátria, cuja propriedade, entretanto, Deus sempre reclamara por direito Seu” (Alfredo Edersheim, Festas de Israel, São Paulo: União Cultural Editora, (s.d.), p. 83).

[2]“Cada um oferecerá na proporção em que possa dar, segundo a bênção que o SENHOR, seu Deus, lhe houver concedido” (Dt 16.17).

[3]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.1), p. 122-123.

[4]Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 135.

[5]Perry G. Downs, Introdução à Educação Cristã: Ensino e Crescimento, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 180.

[6]A ideia básica de (למד)(lâmad) é a de treinar e educar, acostumar-se a; familiarizar-se com; aprender (Cf. Walter C. Kaiser, Lâmad:In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 791; D. Muller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 662; A.W. Morton, Educação nos Tempos Bíblicos: In: Merrill C. Tenney, org. ger. Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 261).

[7] Cf. Mt 28.4.

[8] “A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 6.20), p. 187). “Quem quer que deseje crescer na fé deve também ser diligente em progredir no temor do Senhor” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 25.14), p. 557).

[9] W. Mundle, Medo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 147.

[10] “Não existe incompatibilidade entre amor e obediência; pois na vida verdadeiramente santificada existe a obediência em amor e o amor obediente” (Ernest Kevan, A Lei Moral, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 9).

[11] “Se um genuíno conhecimento de Deus habita os nossos corações, seguir-se-á inevitavelmente que seremos conduzidos a reverenciá-lo e a temê-lo. Não é possível ter genuíno conhecimento de Deus exceto pelo prisma de sua majestade. É desse fator que nasce o desejo de servi-lo, e daqui sucede que toda a vida é direcionada para ele como seu supremo alvo” (João Calvino,Exposição de Hebreus,São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.6), p. 306).

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