A Pessoa e Obra do Espírito Santo (266)

6.4.5.2. É edificada por Cristo

“Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”(Mt 16.18).

          A igreja não é uma criação tardia, um plano “b” ou, um adendo de Deus aos seus desígnios “impotentes”. Antes, ela sempre fez parte do propósito eterno de Deus. A Igreja é edificada pelo próprio Cristo.

          “Edificarei a minha igreja”, afirma o Senhor Jesus.A igreja não pertence a terceiros. Ela é do Senhor. Ele mesmo a edifica. A expressão “minha igreja” indica a relação pessoal que o Senhor mantém com o seu povo. A Igreja é edificada pessoalmente pelo próprio Cristo. Deus não confiou esta tarefa a mais ninguém. A igreja não é uma abstração divina que permanece num plano ideal distante da realidade e inatingível. Ela se concretiza pelo poder de Deus. A história é, em grande parte, o processo executivo de Deus na realização de seu desígnio sábio e santo. Somos a família de Deus formada por Ele conforme sua livre vontade (Gl 6.10; 1Pe 4.17).[1]

Como temos insistido, Paulo escreveu aos Efésios:

19Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, 20edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; 21no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, 22no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito. (Ef 2.19-22).

          Na criação de nossos primeiros pais, Adão e Eva, temos a concretização histórica do propósito eterno de Deus,[2] como nos diz o apóstolo:

8Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus, 9 que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos. (2Tm 1.8-9).

Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus e o pleno conhecimento da verdade segundo a piedade, 2na esperança da vida eterna que o Deus que não pode mentir prometeu antes dos tempos eternos. (Tt 1.1-2).

          O Senhor tem ao longo da história edificado a sua igreja. A confissão da identidade do Filho é fundamental para o ingresso na Igreja. Essa confissão se torna possível pela graça reveladora de Deus (Mt 16.16,17).Essa revelação é feita de acordo com o propósito de Deus. Nenhum de nós, jamais confessaria a Cristo sem o poder de Deus respaldado na obra de Cristo (Mt 16.19). Ou seja: a nossa confiança não é vazia. Ela tem como referência fundamental a veracidade da obra vicária e completa de Cristo.

          Em outro contexto vemos que o que Paulo fala sobre a necessária confissão do senhorio de Cristo tem como pano de fundo, a obra realizada por Jesus Cristo: “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação” (Rm 10.9-10).

          Há uma coerência lógica: crer e confessar. O crer, no entanto, é precedido pelo conhecer. “Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”(Mt 11.27).

          Poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça divina. O nosso conhecimento é um ato de fé, e esta é procedente da graça.         O conhecer, portanto, é um ato da graça de Deus. Sem o Pai que se agencia pelo Espírito, jamais conheceríamos salvadoramente a Jesus como o Cristo e Senhor.[3] “O verdadeiro mistério só pode ser entendido como um mistério genuíno mediante a revelação”, sumaria Brunner (1889-1966).[4] Isso é graça! (2Pe 3.18).

          O apóstolo faz eco a essa graça, escrevendo: “Por isso, vos faço compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus afirma: Anátema, Jesus! Por outro lado, ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo” (1Co 12.3).

          A Igreja é o Corpo de Cristo; o povo constituído por Deus por intermédio do seu Espírito, para cultuá-lo, viver a sua Palavra e proclamar a sua salvação em Cristo.[5] Portanto, é o Deus Trino quem elege o seu povo e o chama eficazmente por meio da Palavra, para fazer parte da sua Igreja.  O próprio Senhor Jesus  ensinou:

37Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. (…) 44 Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia. (…)  65 E prosseguiu: Por causa disto, é que vos tenho dito: ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido (Jo 6.37,44,65).

          Quando o apóstolo Paulo fala aos presbíteros de Éfeso, lhes instrui: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados”(At 20.32).

           A forma ordinária da qual Deus se vale para edificar a sua igreja é por meio da Palavra. Ele nos regenera (1Pe 1.23); chama (Rm 10.17),edifica e santifica (Jo 17.17) pela Palavra.

          Paulo diz que passou três anos pregando todo o desígnio de Deus (At 20.27,31). Ele não se deteve em sabedoria humana, em debates frívolos ou em exibicionismo de saber, antes anunciou o Evangelho da graça de Deus (At 20.24).

          Por isso, quando se despede, prevê as dificuldades que viriam, surgidas muitas delas dentro da própria Igreja,[6] até mesmo, é possível, da parte de presbíteros (At 20.29-30),[7] no entanto, ele não estabelece nenhum método mirabolante, antes os orienta a ficarem atentos – contínua e perseverantemente[8] – e os encomenda à Palavra (At 20.31-32).[9] Demonstra também a necessidade de autovigilância (At 20.28).

          Stott (1921-2011) comenta:

Notamos que os pastores efésios devem primeiro vigiar a si mesmos, e só depois ao rebanho que lhes foi confiado pelo Espírito Santo. Pois eles não podem dar um cuidado adequado aos outros se negligenciarem o cuidado e a instrução de suas próprias almas.[10]

          A Palavra de Deus é um antídoto contra os lobos vorazes que desejam se apossar do rebanho e contra os homens pervertidos que procuram corromper o povo de Deus.

          A Palavra é poderosa para nos edificar e santificar. Por isso, caberia àqueles presbíteros, pregar a Palavra, assim como Paulo o fizera. “A Igreja e o evangelho são inseparáveis. (…) A Igreja é tanto o fruto como o agente do evangelho, visto que por meio do evangelho a igreja se desenvolve e por meio desta se propaga aquele”, interpreta Stott.[11]

          Em Corinto, a despeito de grupos na igreja desejarem moldar o Evangelho às suas preferências e gostos pessoais, o apóstolo Paulo continuava firme, sem tergiversar em sua mensagem:

22Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; 23mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios. (…) 4A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana; e, sim, no poder de Deus (1Co 1.22-23; 2.4-5).

Maringá, 16 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Assim como a nação de Israel era a semente e o corpo de Abraão, assim a igreja do Novo Testamento é uma família, a família de Deus, os filhos espirituais de Abraão (G 3.7,29). A igreja pode ter se espalhado por toda parte, mas ela continuou sendo um corpo de irmãos e irmãs no Senhor” (Cornelis Van Dam,  O Presbítero, São Paulo: Cultura Cristã, 2019, p. 42).

[2] “Se uma ‘igreja’ começou em determinado ano, na verdade é, por definição, uma seita. A verdadeira igreja visível de acordo com as Escrituras, começou no Éden. A alegação dispensacionalista de que a igreja começou no Pentecoste é totalmente falsa. (…) Se nossa igreja começou em qualquer outro tempo que não no Éden, não permanecendo em continuidade pactual com o povo do pacto de Deus, então essa igreja é uma seita” (Jonathan Gerstner, Alicerçada na Rocha Eterna: In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 50-51).

[3]“A razão natural jamais guiará os homens a Cristo. O fato de serem eles dotados de sabedoria para dirigir suas vidas e de se formarem em filosofia e ciências se reduz e resulta em nada” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.5), p. 38).

[4]Emil Brunner, Dogmática, São Paulo: Novo Século, 2004, v. 1, p. 157.

[5]Calvino comentando Gálatas 4.26, diz: “A Igreja enche o mundo todo e é peregrina sobre a terra. (…) Ela tem sua origem na graça celestial. Pois os filhos de Deus nascem, não da carne e do sangue, mas pelo poder do Espírito”.  Continua: “Eis a razão por que a Igreja é chamada a mãe dos crentes. E, indubitavelmente, aquele que se recusa a ser filho da Igreja debalde deseja ter a Deus como seu Pai. Pois é somente por meio do ministério da Igreja que Deus gera filhos para si e os educa até que atravessem a adolescência e alcancem a maturidade” (João Calvino, Gálatas,São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 4.26), p. 144).

[6]“Se existe algo que a história nos ensina, este ensino é que os ataques mais devastadores desfechados contra a fé sempre começaram com erros sutis surgidos dentro da própria igreja” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p. 11).

[7]1Tm 1.3; 2Tm 1.15; Ap 2.1-7.

[8] O presente imperativo do verbo (grhgore/w) (de onde vem Gregório), vigiar, ficar acordado, desperto, indica uma vigilância contínua e perseverante.

[9] “Grande prudência é requerida daqueles que têm a incumbência da segurança de todos; e grande diligência, daqueles que têm o dever de manter vigilância, dia e noite, para a preservação de toda a comunidade” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.8), p. 434).

[10] John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: Até os confins da terra,São Paulo: ABU, (A Bíblia Fala Hoje), 1994, (At 20.28-35), p. 369.

[11]John R.W. Stott; Basil Meeking, editores, Dialogo Sobre La Mision, Grand Rapids, Michigan: Nueva Creación, 1988, p. 62.

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