A Pessoa e Obra do Espírito Santo (260)

6.4.3. As Marcas da Igreja  (Continuação)

Calvino (1509-1564) partindo do princípio de que “uma igreja que tem em si as marcas genuínas da religião pode ser reconhecida apesar das falhas de seus membros individuais”,[1] tratando desse assunto, insistiu no fato de que as marcas da Igreja são: A verdadeira  pregação  da  Palavra  de  Deus e a correta administração dos Sacramentos.[2]

          Outros teólogos reformados, acrescentaram aos dois sinais indicados por Calvino, um terceiro: O Exercício Fiel da Disciplina.[3](At 2.42).[4]

          AConfissão Belga (1561),[5] no Artigo XXIX, diz: “Os sinais para conhecer a Igreja verdadeira são estes: a pregação pura do evangelho; a administração pura dos Sacramentos, tal como foram instituídos por Cristo; a aplicação da disciplina cristã, para castigar os pecados”.[6]

          De forma restrita, podemos falar da verdadeira pregação da Palavra como a marca distintiva da Igreja, decorrendo daí, as outras duas marcas indicadas.[7] 

          Lutero comentou: “Onde a Palavra de Deus é ensinada de modo puro, há ali a verdadeira e reta igreja: pois a verdade[ira] igreja é sustentada pelo Espírito Santo, não pela sucessão hereditária”.[8]

Bavinck escreveu sobre a primazia da Palavra de Deus:

A Palavra é, verdadeiramente, a alma da igreja. Todo ministério da igreja é um ministério da Palavra. Deus dá sua Palavra à igreja e a igreja a aceita, preserva, ministra e ensina; ela a confessa diante de Deus, diante uns dos outros e diante do mundo em palavras e atos. Onde a Palavra de Deus é corretamente pregada, ali também o sacramento é ministrado de forma pura, a verdade de Deus é confessada em harmonia com o intento do Espírito e a conduta das pessoas é moldada de forma harmoniosa.[9]

Esta concepção pode ser resumida na afirmação de que Cristo é a marca essencial da Igreja,[10] visto ser Ele “o centro da Palavra e o cerne dos sacramentos”.[11]

Maringá, 10 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 1.1-5), p. 16.

[2] J. Calvino, As Institutas,  (Dedicatória: Carta ao Rei Francisco, X), Livro IV. Capítulo 1, Seções 9-12; Livro IV, Capítulo 2, Seção 1. Do mesmo modo a Confissão de Augsburgo(1530), escrita por Melanchton, Art. 7. Diversos teólogos reformados seguiram esta mesma interpretação. (Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 316). Entre eles, Kuyper (Cf. Louis Berkhof, Teologia Sistemática,Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 580_.

            Na Resposta ao Cardeal Sadoleto (01/09/1539), Calvino declara que a igreja é:

            “….A  assembleia  de  todos  os santos, a qual espalhada por todo o mundo, está dispersa em todo tempo, unida sem dúvida por uma só doutrina  de Cristo, e que por um só Espírito guarda e observa a união da fé, junto com a concórdia e caridade fraterna”. (Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto,4. ed. Barcelona: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1990, p. 30-31). Ele  diz  que os membros da Igreja são reconhecidos “por sua confissão de fé, pelo exemplo de vida e pela participação nos sacramentos”, sendo estes sinais indicativos de que tais pessoas “reconhecem ao mesmo Deus e ao mesmo Cristo que nós” (As Institutas, IV.1.8). A santidade  e  firmeza  da Igreja segundo Calvino, repousam principalmente em “três coisas”, a saber: “doutrina, disciplina e sacramentos  vindo  em  quarto  lugar as cerimônias para exercitar o povo no dever da piedade”(Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 32). De modo mais informal, diz: “Onde se professava o Cristianismo, se adorava um único Deus, se praticavam os Sacramentos e se exercia algum gênero de ministério, ali permaneciam as marcas da Igreja.” (João Calvino, Gálatas, (Gl 1.2), p. 25).

[3]Teólogos tais como: Andrew G. Hyperius (1511-1564); Peter Martyr Vermigli (1500-1562); Zacharias Ursinus (1534-1583); Johann H. Heidegger (1633-1698); Marcus F. Wendelinus (1584-1652), entre outros. Devemos nos lembrar que a disciplina, não é um elemento estranho à obra de Calvino (1509-1564); ele a defende com vigor. No entanto, não a formaliza como uma das “marcas da Igreja”, embora a sustente como instrumento dado por Deus para a preservação da pureza da Igreja. (Vejam-se, por exemplo: As Institutas, IV.1.7; IV.11.5; IV.12.1ss., 8ss.; Juan Calvino, Respuesta al Cardeal Sadoleto, 4. ed. Países Bajos: Felire, 1990, p. 32). Para um estudo introdutório bem documentado sobre a formação do pensamento de Calvino a respeito da disciplina, veja-se: Heber Carlos de Campos Jr., A Doutrina de Calvino sobre Disciplina Eclesiástica foi Principalmente Resultado da Influência de Martin Bucer?”: In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 10/1 (2005) 31-58.

[4]E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações” (At 2.42).

[5] A Confissão Belga que se inspirou na Confissão Gaulesa (1559), foi escrita em francês em 1561 por Guido (ou Guy, Wido) de Brès (1523-1567), com a ajuda de M. Modetus, Adrien de Saravia (1513-1613) – um dos primeiros protestantes a advogar a  ideia de missões estrangeiras (Cf. I. Breward, Saravia: In: J.D. Douglas, ed. ger. The New International Dictionary of the Christian Church, 3. ed. Grand Rapids, Michigan, 1979, p. 878) e G. Wingen, sendo revisada por Francis Junius (1545-1602) e, publicada a sua tradução em holandês em 1562. “O pastor Guy de Brès escreveu uma carta de defesa aos magistrados. Lançou-a juntamente com um exemplar de sua recente ‘Confession de Foy’ por sobre o muro do castelo de Doornick, para assim ser levado ao governador e ao rei. Se este jamais leu a confissão de fé, não se sabe, mas ela chegou a ocupar um lugar de suma importância na Igreja Reformada holandesa” (Frans L. Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630- 1654), Recife, Pe: FUNDARTE (Coleção Pernambucana, 2ª Fase, v. 25), 1986, p. 27).

            Ela juntamente com o Catecismo de Heidelberg (1563), foi aprovada no Sínodo de Antuérpia, realizado secretamente (Cf. Frans L. Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630- 1654), p. 27), em Wessel (1568) e adotada pelo Sínodo Reformado de Emden (1571), pelo Sínodo Nacional de Dort (1574), Middelburg (1581) e, também, pelo grande Sínodo de Dort (29/4/1619), o qual a sujeitou a uma minuciosa revisão, comparando a tradução holandesa com o texto francês e latino. A Confissão Belga e o Catecismo de Heidelberg são os símbolos de fé das Igrejas Reformadas na Holanda e Bélgica, sendo também o padrão doutrinário da Igreja Reformada na América e na Igreja Evangélica Reformada Holandesa no Brasil. (Vejam-se: P. Schaff, The Creeds of Christendom, v. 1, p. 502-508; v. 3, p. 383; J. Van Engen, Confissão Belga: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988, v. 1, p. 330).

[6] Essa posição é também encontrada na Confissão Escocesa (1560), Cap. XVIII, que acrescenta: “Onde quer que essas marcas se encontrem e continuem por algum tempo – ainda que o número de pessoas não exceda de duas ou três – ali, sem dúvida alguma, está a verdadeira Igreja de Cristo, o qual, segundo a Sua promessa, está no meio dela”.

[7]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 128-129. Conforme Bavinck, diversos teólogos reformados seguiram esta linha de argumentação (Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 316). Vejam-se também: Louis Berkhof, Teologia Sistemática,Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 580; Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3. ed.Grand Rapids, Michigan, Reformed Publishing Association, 1976, p. 620; João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.15), p. 99; François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 118ss.).

[8]Martinho Lutero, Conversas à mesa, Brasília, DF.: Monergismo, 2017, # 370, p. 214.

[9]Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 316.

[10]“Cristo é a única marca segura e infalível de uma igreja cristã, porque essa é a razão pela qual a igreja de Cristo foi instituída na terra. (…) A única marca verdadeira e infalível de uma igreja de Cristo é a profissão da fé em Cristo”  (James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 78-78).

[11]Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo: ABU., 1987, p. 227. (Veja-se, D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 128). Quanto à apresentação de caminhos paralelos ou mais abrangentes, vejam-se: John Frame, Teologia Sistemática,  São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 379-380; James M. Boice, Fundamentos da Fé Cristã: Um manual de teologia ao alcance de todos, Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2011, p. 500-508.

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