A Pessoa e Obra do Espírito Santo (250)

          6.3.10.2. Selados em santidade

“E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados (sfragi/zw)para o dia da redenção” (Ef 4.30).

          O Espírito se entristece com os nossos pecados, manifestando o seu desagrado, de modo externo: por intermédio da Palavra de Deus. Interno: por meio de nossa consciência.

          Todas as vezes que agimos de forma contrária aos ensinamentos da Palavra de Deus, entristecemos o Espírito que em nós habita. O Espírito também se entristece conosco quando caminhamos de modo contrário ao propósito de Deus para nós, que é a santificação (1Ts 4.3/2Ts 2.13); quando as obras da carne estão cada vez mais evidentes em nossa vida e o fruto do Espírito parece mais distante do nosso procedimento (Gl 5.16-26).

O entristecimento do Espírito, se por um lado revela o nosso pecado, por outro, fala-nos do seu relacionamento pessoal conosco e de seu invencível amor, que não se intimida, nem se acomoda com a nossa desobediência, antes, se expõe, nos atraindo para si em amor. A possibilidade real do entristecimento do Espírito por causa de nosso pecado relaciona-se ao fato de que Ele nos ama.[1]

          Deste modo, como temos enfatizado, as operações graciosas de Deus não nos devem conduzir à falsa ideia de viver comodamente, deixando Deus realizar a obra enquanto  eu cuido de meus interesses pessoais. A obra de Deus, que é boa em sua própria essência, envolve o uso diligente dos recursos que Deus mesmo coloca à nossa disposição para o nosso crescimento. Na Carta aos filipenses, vemos o próprio Paulo se preocupando em orar pela igreja, estimulá-la e exortá-la por meio da Epístola a que frutificasse em sua fé:

E também faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, 10 para aprovardes as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o Dia de Cristo, 11 cheios do fruto de justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus. (Fp 1.9-11).

          Esse fruto (Fp 1.11) se revela no desenvolvimento de nossa salvação, conforme ele exorta a igreja: “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; 13 porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Fp 2.12-13).

          Os Cânones de Dort (1619) pontuam bem esta questão:

…. essa certeza de perseverança não produz de modo algum nos crentes um espírito de orgulho ou os torna carnalmente seguros; ao contrário, ela é a verdadeira fonte da humildade, reverência filial, verdadeira piedade, paciência em toda tribulação, orações fervorosas, constância nos sofrimentos e em confessar a verdade e alegria sólida em Deus, de modo que a consideração desse benefício serve como um incentivo para a séria e constante prática de gratidão e boas obras, como é evidente nos testemunhos das Escrituras e nos exemplo dos santos.
A renovada confiança de perseverar não produz licenciosidade ou negligência na piedade naqueles que estão se recuperando de uma apostasia, mas isso os torna mais cuidadosos e diligentes quanto a se manterem nos caminhos do Senhor, que ele preparou, para que, ao andarem neles, eles possam preservar a certeza da perseverança, para que não abusem de sua gentileza paternal e Deus tire delas sua graciosa face, a contemplação da qual é para o piedoso mais preciosa do que a vida, e a retirada dela é mais amarga do que a morte, e eles, em consequência disso, caiam em maiores tormentos da consciência.[2]

          A eleição de Deus e o seu consequente chamado se revelam em uma boa obra em nós de transformação e crescimento espiritual.[3] É deste modo que Paulo escreve aos Efésios:   “8 Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9 não de obras, para que ninguém se glorie. 10 Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”(Ef 2.8-10).

          A doutrina da perseverança é bem chamada de perseverança dos santos.[4]E isto, em graça. Dito de outro modo, a nossa perseverança deve ser em santidade. Logo, neste processo de aperfeiçoamento há, fundamentalmente, a necessidade de nosso crescimento e amadurecimento. Deus não somente nos salva, mas, também, nos faz crescer em nossa caminhada.

          A piedade, como evidência de nosso perseverar em santidade, é desenvolvida por meio de nosso crescimento na graça. A graça não é um ato condescendente de Deus para com os nossos pecados, ou um simples “alvará de soltura sobrenatural”[5]que nos autoriza, ou, pelo menos, negligencia nossa volta ao pecado anteriormente perdoado. Não.

A graça de Deus, além de salvadora, é extremamente pedagógica, nos educando, instruindo e corrigindo: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos (paideu/w) para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente (eu)sebw=j)” (Tt 2.11-12).

Maringá, 29 de julho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Podemos magoar ou irar alguém que não nos tem afeição, mas entristecer podemos só quem nos ama” (Billy Graham, O Espírito Santo,São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 123).

[2] Os Cânones de Dort. In: Sinclair B. Ferguson; Joel R. Beeke, orgs. Harmonia das Confissões Reformadas, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, V.12-13. Vejam-se também: Catecismo de Heidelberg, Perguntas: 1,53,54,127.

[3]“O que acontece com o cristão não é mera reforma ou melhoramento da superfície. O Evangelho não é algo que muda o homem no sentido de torná-lo um pouco melhor, no sentido cultural. Não, é uma obra vital realizada por Deus na alma e sobre a alma, no centro mesmo e nos órgãos vitais da vida e da existência do homem” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Vida de Alegria, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2008, p. 42).

[4] Hoekema prefere chamá-la de “perseverança do verdadeiro crente” (Anthony Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 243). Murray argumenta em prol do nome clássico, “perseverança dos santos” (Veja-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 170-171). Sproul, considerando o termo “perseverança” como “um tanto enganoso”, opta por “preservação”, justificando: “Nós perseveramos porque somos preservados por Deus. Se deixados por conta de nossa própria força, nenhum de nós perseveraria. Só porque somos preservados por graça é que somos capazes de perseverar de alguma maneira” (R.C. Sproul, O que é teologia reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 168). À frente: “A graça preservadora de Deus torna a nossa perseverança tanto possível como real” (p. 179).

[5]Devo esta expressão a MacArthur (John MacArthur, O Evangelho Segundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 70).

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