A Pessoa e Obra do Espírito Santo (247)

6.3.10.1. Uma bendita convicção

Calvino escrevendo sobre a graça e a certeza que, como Davi, podemos ter do cuidado de Deus em nossa vida até à eternidade, afirmou: “…. seria uma condição muitíssimo miserável viver tremente em meio à incerteza, a todo instante, sem sentir qualquer segurança na continuidade da graça de Deus em nosso favor”.[1]

Em outro lugar, acrescenta: “A graça de Cristo, pois, não flui para nós por um breve tempo, mas transborda para uma bendita imortalidade, pois ela não cessa de fluir até que a vida incorruptível, que tem início aqui e agora, chegue à perfeição”.[2]

          De fato, se a nossa salvação é obra da graça de Deus. Podemos confiar em Deus que, como expressão de sua fidelidade, Enos manterá firmes a despeito de alguma inconsistência nossa pelo caminho. A nossa esperança[3] de entrar na glória fundamente-se unicamente no poder de Deus, demonstrado de forma majestoso na obra de Cristo por nós. Analisemos alguns aspectos deste ponto.

          A doutrina da Perseverança dos Santos é conhecida como um dos cinco pontos do Calvinismo. Mas, o que significa esta doutrina?

Os Cânones de Dort em resposta à posição denominada de arminiana,[4] declaram:

Aqueles que, de acordo com o seu propósito, Deus chama à comunhão do seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, e regenera pelo seu Santo Espírito, ele certamente os livra do domínio e da escravidão do pecado. Mas nesta vida, ele não os livra totalmente da carne e do corpo de pecado (Rm 7.24).
Portanto, pecados diários de fraqueza surgem e até as melhores obras dos santos são imperfeitas.
Estes são para eles constante motivo para humilhar‑se perante Deus e refugiar‑se no Cristo crucificado. Também são motivo para mais e mais mortificar a carne através do espírito de oração e através dos santos exercícios de piedade, e ansiar pela meta da perfeição. Eles fazem isto até que possam reinar com o Cordeiro de Deus nos céus, finalmente livres deste corpo de morte.
Pois Deus, que é rico em misericórdia, de acordo com o imutável propósito da eleição, não retira completamente o seu Espírito dos seus, mesmo em sua deplorável queda. Nem tampouco permite que venham a cair tanto que recaiam da graça da adoção e do estado de justificados. Nem permite que cometam o pecado que leva à morte, isto é, o pecado contra o Espírito Santo e assim sejam totalmente abandonados por ele, lançando‑se na perdição eterna.[5]

          Berkhof (1873-1957), assim define: “A doutrina da perseverança dos santos tem o sentido de que aqueles que Deus regenerou e chamou eficazmente para um estado de graça não podem cair nem total nem definitivamente, mas certamente perseverarão nele até o fim e serão salvos para toda a eternidade”.[6]

Portanto, a despeito de possíveis desvios e quedas resultantes do pecado sobrevivente em nós, a graça se Deus jamais será extinta na vida do eleito porque, na realidade, ele vive pela graça buscando orientar-se por toda vontade revelada de Deus.

          Em outras palavras, aqueles a quem Deus elegeu na eternidade, os chamando-os eficazmente no tempo, os regenerando-os, produzindo fé em seus corações para que pudessem atender ao chamado divino, tendo, portanto, a verdadeira fé salvadora, jamais poderão perdê-la total nem finalmente. A eleição é o fundamento de todos os atos salvadores de Deus na história.

A doutrina da perseverança dos santos, inclui em sua essência, a perseverança em santidade, não uma justificativa acomodatícia à prática e permanência no pecado.[7] A graça de Deus que nos chama, nos acompanha até à consumação de sua obra em nós, nos conduzindo à glorificação perfeita em Cristo. O próprio Filho, senhor da glória (1Co 2.8), é quem nos conduzirá ao Pai (1Pe 3.18).[8] 

Maringá, 26 de julho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 16.8), p. 318.

[2]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1,  (Jo 4.13), p. 163.

[3]“Certamente que, embora, com respeito a nós mesmos, nossa salvação esteja ainda oculta na esperança, todavia em Cristo já possuímos a bem-aventurada imortalidade e glória” (João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 2.6), p. 36).

[4] O respeitado teólogo da Igreja do Nazareno, H. Orton Wiley (1877-1961), tratando das questões debatidas no Sínodo de Dort (1618-1619), apresenta os cinco pontos arminianos defendidos ali. Transcrevo o quinto ponto: “Que aqueles que estão unidos a Cristo pela fé são carregados de força abundante e socorro suficiente para habilitá-los  a triunfar sobre as seduções de Satanás, e os fascínios do pecado; no entanto, eles podem, ao negligenciar esse socorro, cair da graça e, morrendo em tal estado, podem perecer de forma final”. Acrescenta: “Esse ponto foi iniciado primeiramente de maneira duvidosa, mas depois, positivamente afirmado como uma doutrina estabelecida” (H. Orton Wiley, Christian Theology, Kansas City: Beacon Hill, 1952, v. 2, p. 351). Apenas uma curiosidade: Grudem considera essa obra de Wiley, como “provavelmente a melhor teologia sistemática arminiana publicada no século XX” (Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 1046).

[5] Os Cânones de Dort, São Paulo: Cultura Cristã, (s.d.), V.1,2,6.

[6] Louis Berkhof, Teologia Sistemática, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 501. (Edição de 1990, p. 549).

[7]“É totalmente errado afirmar que o crente está seguro, independentemente de sua vida posterior de pecado e infidelidade. A verdade é que a fé em Jesus Cristo está sempre atrelada à vida de santidade e fidelidade. Sendo assim, não é apropriado pensar a respeito de um crente independentemente dos frutos na fé e na santidade. Dizer que o crente está seguro, qualquer que seja a extensão de seu hábito de pecado em sua vida subsequente, é abstrair a fé em Cristo de sua definição mais exata e ensinar o tipo de abuso que torna a graça de Deus em lascívia. A doutrina da perseverança é a doutrina daqueles crentes que perseveram (…). A Perseverança dos santos faz lembrar forçosamente que somente aqueles que perseveram até o fim são verdadeiramente santos, mas a conquista do prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo não é automática. Perseverança significa o engajamento de nossa pessoa na devoção mais intensa e concentrada aos meios ordenados por Deus para a realização de seu propósito de salvação. A doutrina escriturística da perseverança não tem nenhuma afinidade com o quietismo e o antinomismo prevalecentes nos círculos evangélicos” (John Murray, Redenção: consumada e aplicada, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 138-139).

[8] “Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito”  (1Pe 3.18).

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