A Pessoa e Obra do Espírito Santo (246)

6.3.10. Perseverança dos santos em santidade

Essa graça Ele [Deus] colocou “em Cristo em quem nós ganhamos uma herança, sendo predestinados de acordo com o propósito daquele que opera todas as coisas”. E assim como Ele trabalhou para que fôssemos a Ele, do mesmo modo Ele trabalhou para que dele não nos afastemos. – Agostinho (354-430).[1]
A graça cria a fé não somente quando a fé nasce numa pessoa, mas por todo o tempo em que a fé dura. (…) Assim, a graça não é menos eficaz quando se trata de um crente do que quando trata de um incrédulo: uma vez que causa a fé em ambos, no primeiro por confirmação e aperfeiçoamento. Neste último por criá-lo de novo. – Tomás de Aquino (1225-1274).[2]
A vida cristã é um andar de fé, é uma vida de fé. Os sentimentos vêm e vão, mas o andar de fé persevera. – D.M. Lloyd-Jones.[3]

                                                           Lembro-me de há uns 30 anos ou mais, ser comercializado um aparelho de ginástica que mais me parecia uma cama. O sujeito se deitava e essa cama mecanizada levantava o seu abdômen e/ou as suas pernas. Ele podia ficar tranquilo sem maiores esforços. O seu “exercício” estava garantido. Era uma espécie de abdominal passiva. Creio que o produto não deu certo.

          Usei esta figura para ilustrar o que por vezes as pessoas pensam sobre perseverança, como que ficando acomodadas em sua vida espiritual, cultivando os seus pecados de estimação – que envolvem, por vezes, uma justificação de temperamento, genética, educação, etc. – e, o Espírito vai os conduzindo em santificação enquanto permanecem totalmente inativas.

Não há nada de mais enganoso do que entender essa doutrina dessa forma.

Uma compreensão equivocada da doutrina nos conduz a um comportamento distante das Escrituras.[4] Não dá para separar aquilo que cremos do que somos e, consequentemente vivemos.[5] Por sua vez, o supérfluo e fútil se dissiparam diante da verdadeira doutrina fundamentada na Palavra.[6]

Portanto, o antídoto para isso é o constante exame das Escrituras. Não é à toa que Paulo, sob a direção do Espírito, exorta a Timóteo quanto à necessidade de ler individual e publicamente as Escrituras com o fim de exortar (encorajar) e ensinar à igreja (1Tm 4.13).[7] Esta ênfase tinha como propósito, entre outras coisas, combater os falsos ensinamentos satânicos que conduziam cristãos – por vezes sinceros, porém ignorantes da Palavra –, à apostasia. (1Tm 4.1),[8] que tende a contaminar todo o corpo.[9]

Sabemos que a perspectiva frouxa da vida cristã é uma excelente porta de acesso para as tentações de satanás.[10]

Por isso, é necessário que entendamos, que a nossa conversão a Deus estará sob um grande e intenso combate, já que satanás envidará todos os esforços para nos afastar de Deus, nos cercando, e com sua astúcia, procurar hábil e insistentemente, nos seduzir.

          Como temos enfatizado, o alvo constante de satanás é a Palavra de Deus. Ele procura tirá-la de nós, ou, senão, dar-nos uma visão distorcida do seu teor.  No seu argumento sempre há algo de verdadeiro, contudo,  a sua dialética, que pode se valer das Escrituras, tem um referencial totalmente excludente, o qual ele dilui muito bem a fim de dar-nos a impressão de que a sua conclusão é coerente com a Palavra.[11]  Como bem disse Bonhoeffer (1906-1945): “A fraude, a mentira do diabo consiste na sua tentativa de fazer o homem acreditar que poderia viver sem a Palavra de Deus”.[12]

          Permanece, portanto, a admoestação de João: “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1Jo 4.1).

          É preciso que redobremos o nosso cuidado quanto a esta armadilha; para isto faz-se necessário que aprendamos a subordinar a nossa inteligência a Deus e à sua Palavra.[13] Não creiamos nem divulguemos ensinamentos que nos chegam, simplesmente porque são “agradáveis” ou, porque quem nos ensinou falou com “convicção”, “simpatia” ou “emoção”. É necessário que confrontemos todas as doutrinas com a Palavra de Deus; é Ela e somente Ela, pela iluminação do Espírito que nos fornece segurança para interpretar a realidade e a veracidade de toda doutrina.

          A Palavra e somente a Palavra é o solo de onde brota, pelo Espírito, a genuína fé; é somente na Palavra que devemos buscar o nosso alimento e consolo.

 A intercessão de Cristo em nosso favor, mesmo nas vésperas de sua crucificação, aponta para a severidade da nossa condição.[14] Contudo, temos aqui um grande conforto. O Senhor cuida de nós. Ele jamais se esquece do seu povo: “Pois o necessitado não será para sempre esquecido, e a esperança dos aflitos não se há de frustrar perpetuamente” (Sl 9.18).

Calvino conclui o seu comentário de 1 Timóteo, com essas palavras: “Caso não queiramos ser terrificados pela ideia de apostasia da fé, então que nos apeguemos à Palavra de Deus em sua integridade e detestemos a sofística e com ela todas as sutilezas que são odiosas corrupções da piedade”.[15]

Maringá, 26 de julho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] St. Agostinho,  On the gift of perseverance, Cap. 14. In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, (First Series), 2. ed. Peabody, Massachusettes:Hendrickson Publishers, 1995, v. 5, p. 530.

[2]Thomas Aquinas, Summa Theologica, II-II, (Q) Pergunta 4, (A) Argumento 4, (RO) Resposta à objeção 3: In: Christian Library, AGES Software Rio, USA., Version 1.0, 2000, v. 3, p. 65.

[3]D.M. Lloyd-Jones, Crescendo no Espírito, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2006 (Certeza Espiritual: v. 4), p. 13.

[4] “Satanás labora muito mais do que imaginamos para banir de nossas mentes, por todos os meios possíveis, a fé na sã doutrina; e visto que nem sempre é fácil fazer  isso através de um franco ataque à nossa fé, ele se arma contra nós secretamente e pelo uso de métodos indiretos e a fim de destruir a credibilidade de seu ensino, ele desperta suspeitas acerca da vocação dos santos mestres” (João Calvino, As Pastorais,  São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.11), p. 210).

[5]Veja-se: D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 113-114.

[6] Veja-se: João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998 (Tt 2.1), p. 326.

[7] Até à minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino (1Tm 4.13).

[8] Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios (1Tm 4.1).

[9]“A maioria dos apóstatas procura permanecer na igreja e busca ativamente aceitação entre o povo de Deus” (John F. MacArthur, Jr.,  A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 75). “Se a apostasia não for resistida com vigor, ela se propagará como fermento por meio dos seminários, das denominações, das agências missionárias e de outras instituições cristãs” (John F. MacArthur, Jr., A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 77).

[10] Veja-se: João Calvino, As Pastorais,  São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 1.6), p. 201.

[11] “O credo alternativo do diabo contém, frequentemente, alguns elementos  da verdade, escolhidos com cuidado – mas sempre diluídos e totalmente misturados com falsidades, contradições, deturpações, distorções e qualquer outra perversão imaginável da realidade. E, somando tudo isso, o resultado final é uma grande mentira” (John F. MacArthur, Jr.,  A Guerra pela Verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 71).

[12] D. Bonhoeffer, Tentação, Porto Alegre, RS.: Editora Metrópole, 1968, p. 60.

[13]“Quanto tem avançado aquele homem que tem aprendido a não pertencer-se a si mesmo, nem a ser governado por sua própria razão, mas que rende e submete sua mente a Deus!” (João Calvino,  A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 30).

[14] D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 147ss.

[15] João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.21), p. 187.

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