A Pessoa e Obra do Espírito Santo (239)

b) Conhecimento da Santidade de Deus

Deus deseja se relacionar conosco. A vontade de Deus é que o conheçamos – aliás, este é o motivo fundamental da sua revelação –, para que, confrontados com ela, nos rendamos a Ele, o adoremos, e, neste ato, sejamos santificados cada vez mais nos alegrando em sua comunhão. Jesus ora: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”(Jo 17.3).

          O conhecimento de Deus deve ser a prioridade da vida cristã (Fp 3.8).[1] Conhecer a Deus é deparar-nos com a sua santa majestade e, ao mesmo tempo, termos maior clareza de nosso pecado, por isso o sentimento de pequenez, pecaminosidade e perdição. “O conhecimento de Cristo é a chave que abre a porta para a santificação”, expressou corretamente Shedd (1929-2016).[2]

          O caminho da santificação passa invariavelmente pelo conhecimento de Deus, conforme Ele mesmo se revelou por meio das Escrituras, envolvendo uma experiência de vida. Este conhecimento é vivificador e libertador. “É quando fitamos a face de Deus que percebemos a necessidade de santificação, e nos é exposto o meio pelo qual pode ser realizada a nossa santificação, e é função do Espírito fazê-lo”, comenta Lloyd-Jones.[3]

          Como temos insistido, a vida cristã é mais do que uma simples relação de intelecto ou, mesmo, uma mera experiência. No entanto, o ser mais do que isso não diminui nem exclui o aspecto intelectual e experiencial, antes os engloba.

          O conhecimento de Deus é um envolvimento de fé, pelo qual nos relacionamos pessoalmente com Ele, revelando esta relação em santificação.

          Calvino relaciona o conhecimento com a fé e a santificação:

Ora, visto que a fé abraça a Cristo como Ele nos é oferecido pelo Pai, e Aquele, de fato, seja oferecido não apenas como justiça, remissão dos pecados e paz, mas também como santificação, e fonte de água viva, sem dúvida, jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo tempo a santificação do Espírito (…). A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do Seu Espírito. Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé se deve separar do afeto piedoso.[4]

          A contemplação do Deus das Escrituras é um convite irrestrito ao nosso crescimento espiritual. Nada mais esclarecedor a nosso respeito do que uma visão real da grandeza de Deus: contemplar a Deus, por meio da sua revelação, significa ter os nossos olhos abertos para a nossa necessidade de santidade, de crescimento e fortalecimento em nossa fé.

          O nosso confronto com a santidade de Deus deve nos estimular a sentir o mesmo desejo, conforme o vivenciado e recomendado por Pedro: “Desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que por ele vos seja dado crescimento para a salvação” (1Pe 2.2).

          Devido à depravação de nossa natureza, todos pecamos e somos responsáveis diante de Deus. Conforme já enfatizamos, a proximidade de Deus nos faz mais sensíveis a isto. A contemplação da sua gloriosa santidade dá-nos consciência de forma insofismável da gravidade e intensidade de nossa miserabilidade (Lc 5.8)

          O brilho da glória de sua majestade torna mais patente as nossas manchas espirituais. Foi esta a experiência de Isaías diante da revelação de Deus: “Ai de mim! Estou perdido! porque sou homem de lábios impuros, habito no meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos”(Is 6.5).

          Paulo, o apóstolo de Cristo, que tinha uma visão correta da glória de Deus e da sua dimensão espiritual, escreve: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1Tm 1.15). Esta experiência foi comum a diversos servos de Deus: Moisés, Jó, Isaías, Ezequiel, Daniel e João (Vejam-se: Ex 3.6; Jó 42.5-6; Is 6.1-5; Ez 1.28; Dn 10.9; Ap 1.17). 

Pecadores não arrependidos e não justificados em Cristo, não podem se sentir à vontade na presença do Deus santo.[5]

          O fato é que jamais poderemos ser santos sem que antes e durante, tenhamos a consciência de nosso pecado.

           De modo enfático assevera Lloyd-Jones (1899-1981): “Nunca houve um santo sobre a face da terra que não tenha visto a si mesmo como um vil pecador; de modo que se você não sente que é um vil pecador, não é parecido com os santos”.[6]

          No entanto, como o nosso conhecimento de Deus é menor do que estes homens tiveram, a nossa consciência do pecado também é diminuta. A contemplação da santidade de Deus ilumina as nossas trevas, mostrando-nos como realmente somos e o quanto necessitamos de Deus.

          A consciência de nossa pecaminosidade nos acompanhará sempre e, se me permitem, digo mais: ela é uma das características dos homens regenerados, que crescem em sua fé.[7]

          Quanto mais perto estivermos do Santo, mais certeza da nossa impureza teremos. Antes, talvez não julgássemos pecado determinadas práticas triviais de nossa vida. Agora, porém, já não nos sentimos bem neste procedimento, temos uma consciência mais apurada da santidade de Deus e do que Ele requer de nós. Assim, crescer em santidade significa aprimorar a consciência de nossas falhas.

          Calvino enfatizou, conforme já citamos, que “quanto mais eminentemente alguém se destaca em santidade, mais ele se sente destituído da perfeita justiça e mais que claramente percebe que em nada pode confiar senão unicamente na misericórdia de Deus”.[8]

          Do mesmo modo, Murray (1898-1974):

Quanto mais profunda é a sua percepção da majestade de Deus, maior será a intensidade de seu amor a Deus; quanto maior a sua persistência na busca de alcançar o prêmio da sublime vocação de Deus em Cristo, maior será a sua consciência da seriedade do pecado que permanece nela, e mais penetrante será sua repugnância por ele.[9]

          O nosso conforto é que mesmo Deus sendo santo, não podendo conviver com o pecado, odiando a iniquidade (Is 61.8), e nós sendo miseráveis pecadores, Ele nos perdoa e purifica quando, arrependidos, lhe confessamos os nossos pecados: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9).

          O conhecimento de Deus é uma experiência de amor, que se revela em nossa obediência aos seus mandamentos.

Maringá, 14 de julho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor: por   amor do qual perdi todas as cousas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo”(Fp 3.8).

[2] Russell P. Shedd,Lei, Graça e Santificação, São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 60.

[3]D.M. Lloyd-Jones,  Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 133.

[4] J. Calvino,  As Institutas,III.2.8.

[5] Sproul desenvolve esse argumento de forma habilidosa e edificante. Veja-se: R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 66ss.

[6] David M. Lloyd-Jones, O Clamor de um Desviado: Estudos sobre o Salmo 51,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 40.

[7] Ver: Catecismo de Heidelberg, Pergunta 115. (Vejam-se também, as Perguntas: 13,42,43,56,60, 62,70, 81, 103, 117, 126).

[8] João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 32.1), p. 42.

[9]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,p. 161.

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