A Pessoa e Obra do Espírito Santo (230)

7. “Sede santos!”: vocação à santidade e a responsabilidade do crente  (Continuação)

O nosso meditar na Palavra tem implicações direta em nossa santificação,[1] visto que se constitui em um estímulo constante, por graça de Deus, a que cumpramos os seus mandamentos. Ao mesmo tempo, como nos adverte Calvino, a Palavra nos previne contra as armadilhas diabólicas que visam nos afastar de Deus:

Visto que Satanás está diariamente fazendo novos assaltos contra nós, é necessário que recorramos às armas, e é mediante a lei divina que somos munidos com a armadura que nos capacita  a resistir. Portanto, quem quer que deseje perseverar em retidão e integridade de vida, então que aprenda a exercitar-se diariamente no estudo da Palavra de Deus; pois, sempre que alguém despreze ou negligencie a instrução, o mesmo cai facilmente em displicência e estupidez, e todo o temor de Deus se desvanece em sua mente.[2]

          Notemos que este praticar percorre muitas vezes o caminho de uma análise introspectiva, por meio da qual colocamos em foco o nosso comportamento e o avaliamos a partir da Palavra, para que pela misericórdia de Deus, possamos corrigi-lo:“Considero os meus caminhos, e volto os meus passos para os teus testemunhos”(Sl 119.59).

          O estudo da Palavra deve ser acompanhado de oração, pedindo a Deus que nos capacite a compreendê-la, desejando sempre nos submeter à vontade de Deus, harmonizando os nossos desejos com a sua santa e perfeita vontade.  Esta compreensão da Palavra é-nos concedida pela iluminação do Espírito de Deus.

Conforme já vimos, Calvino insiste neste ponto: “Só quando Deus irradia em nós a luz de seu Espírito é que a Palavra logra produzir algum efeito. Daí a vocação interna, que só é eficaz no eleito e apropriada para ele, distingue-se da voz externa dos homens”, escreve Calvino.[3]

          Calvino como teólogo do Espírito e da Palavra, enfatizou com singularidade a relação entre o Espírito e a Palavra em nossa santificação. Conforme já tratamos mais detalhadamente quando estudamos o Ministério Escriturístico, Calvino sustenta que o Espírito de Deus é quem grava a Lei de Deus em nossos corações[4] nos ensinando por meio das Escrituras.[5] As Escrituras se constituem na “escola do Espírito Santo”.[6] Neste Escola, temos desde os princípios rudimentares da fé que nos conduzem gradativamente à maturidade, cujo alvo é a estatura de Cristo.

   Nesta Escola, conforme já indicamos, temos o Espírito Santo como   “Mestre”;[7] “o melhor Mestre”;[8] “ótimo Mestre”;[9] “bendito Mestre”.[10]   Portanto, enquanto não formos instruídos pelo Espírito, seremos dominados por um conhecimento superficial, orgulhoso e fútil.[11] O Espírito Santo é o único genuíno intérprete da Palavra e, somente Ele pode nos tornar acessível o Evangelho.[12] A “docência de Deus” consiste em nos levar à Cristo.[13]

          Deus nos santifica (limpa) por meio da Palavra. É isto que Jesus Cristo nos diz: “Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado”(Jo 15.3). Fomos regenerados. Agora, limpos, fomos declarados justos por intermédio da Palavra de Cristo, e ela continua nos santificando continuamente nesse estado de existência.

          A justificação – que é uma ação exclusiva de Deus – envolve o início de um processo de “limpeza”, para que produzamos, pela graça, frutos que evidenciem a nossa nova condição, regeneração e  fé operante.

É assim que Jesus ensina aos seus discípulos: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto, limpa, para que produza mais frutos ainda”(Jo 15.1-2).

          Como temos insistido, a justificação subjetiva marca o nosso novo itinerário de vida, já selado em nossa eleição eterna, rumo à glorificação com o Senhor, vivendo, conforme o propósito de Deus, para as boas obras, fruto da fé,[14] preparadas pelo próprio Deus para o seu povo (Ef 2.10).  A santificação consiste na implementação espiritual em nossa existência daquilo que Deus realizou legalmente. Fomos declarados justos na justificação. Na santificação somos levados, por graça, a viver na justiça de Cristo. 

Maringá, 06 de julho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Não podemos fazer progresso na santidade a menos que empreguemos mais tempo lendo e ouvindo a Palavra de Deus, e meditando sobre ela; pois é ela que é a verdade pela qual somos santificados” (Charles Hodge, O Caminho da Vida, New York: Sociedade Americana de Tractados, (s.d.), p . 294).

[2]João Calvino, O Livro dos Salmos,v.  1, (Sl 18.22), p. 383.

[3]João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 10.16), p. 374.  

[4] Cf. João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 40.8), p. 228.“O ensino interno e eficaz do Espírito é um tesouro que lhes pertence de forma peculiar. (…) A voz de Deus, aliás, ressoa através do mundo inteiro; mas ela só penetra o coração dos santos, em favor de quem a salvação está ordenada” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 40.8), p. 229).

[5] Veja-se: João Calvino, AsInstitutas, I.9.3.

[6] J. Calvino, AsInstitutas, III.21.3.

[7]João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 1.16), p. 58.

[8]João Calvino, AsInstitutas, IV.17.36. Calvino diz que quem rejeita o “magistério do Espírito”, é desvairado. (João Calvino, AsInstitutas, I.9.1).

[9]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 4 (IV.12), p. 24.

[10]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.16), p. 41.

[11]Vejam-se: João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.17), p. 101; João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.4), p. 89.

[12]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 2.14), p. 93. Lutero também escrevera: “O Espírito Santo é o escritor mais simples nos céus e na terra; portanto, suas palavras não podem ter mais do que um sentido simples, ao qual chamamos de sentido das escrituras ou sentido literal” (Apud F.W. Farrar, History of Interpretation, London: Macmillan and Co., 1886, p. 329).

[13] “A Igreja não pode ser restaurada de qualquer outra forma senão por Deus empreendendo o ofício de Mestre e conduzindo os crentes a si. O método de ensino, de que fala o profeta, não consiste meramente na voz externa, mas igualmente na operação secreta do Espírito Santo. Em suma, esta docência de Deus consiste na iluminação interior do coração” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 6.45), p. 278).

[14] Vejam-se: Catecismo de Heidelberg, p. 86; Confissão Belga, Art. 24; Segunda Confissão Helvética, XVI.2; Confissão de Westminster, XVI.2.

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