A Pessoa e Obra do Espírito Santo (220)

6. O Espírito como Mestre da Oração

Deus criou o homem como um ser inclinado a orar. Se não fosse assim, a faculdade da oração não poderia estar entre seus dons. Nós fomos criados para orar, do contrário nunca teríamos provado sua doçura. (…) Orar é arrastar e empurrar a imagem impressa em direção ao seu Original, que é o Deus triúno. Ser o portador dessa imagem impressa é uma honra maravilhosa concedida ao homem. Embora desfigurada pelo pecado – por meio da regeneração Deus a restaura em nós -, as feições originais dessa imagem são ainda as feições originais do nosso ser humano. Sem essa imagem, nós deixaríamos de ser homens. – Abraham Kuyper (1837-1920).[1]

Quando o Espírito nos testifica que somos filhos de Deus, ele, ao mesmo tempo, imprime esta confiança em nossos corações, para que ousemos invocar a Deus como nosso Pai. – João Calvino (1509-1564).[2]

A oração é, afinal de contas, a mais elevada atividade da alma humana. – David M. Lloyd-Jones. (1899-1981).[3]

A oração é uma graça, uma oferta de Deus. (…) Ser cristão e orar são uma e a mesma coisa.  – Karl Barth (1886-1968).[4]

A Reforma Protestante do século XVI foi um movimento espiritual com ramificações em todas as áreas da vida, sendo um grande elemento fomentador da vida intelectual e[5] modelador de uma nova ética fundamentada nas Escrituras.[6]

          Valendo-nos das categorias de Schaeffer, podemos dizer que na Reforma tivemos um reavivamento: “Reforma refere-se a uma restauração à doutrina pura; reavivamento refere-se a uma restauração na vida do cristão. Reforma fala de um retorno aos ensinos da Bíblia; reavivamento fala de uma vida levada à sua relação apropriada com o Espírito Santo”.[7] O reavivamento completa a reforma e ambos se completam:  “Não pode haver reavivamento verdadeiro a menos que tenha havido reforma; e a reforma não é completa sem reavivamento”.[8]

          A Reforma foi também um movimento marcado pela ênfase na oração. Barth, estudando a oração nos Catecismos da Reforma, faz um resumo pertinente:

A Reforma se nos apresenta como um grande conjunto: um grande labor que compreende pesquisas, pensamento, pregação, discussão, polêmica, e organização. Porém, foi mais que tudo isso. Pelo que sabemos, foi também um constante ato de oração, uma invocação e, acrescentemos, uma ação dos homens, de certos homens, ao mesmo tempo que uma resposta da parte de Deus.[9]

            Nas 95 teses afixadas por Lutero na Catedral de Wittenberg, lemos na tese 48: “Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro”. A Igreja, portanto, a começar de seu principal líder, precisava da prática fervorosa da oração. A oração sempre deve vir acompanhada da obediência.[10]

          Conforme já indicamos, Calvino considera o Espírito Santo como   “Mestre”;[11] “o melhor Mestre”;[12] “ótimo Mestre”;[13] “bendito Mestre”.[14] É o “Mestre interior”,[15] “Mestre no íntimo”,[16] “Mestre ou  Catedrático (Doutor) da verdade”,[17] “O único mestre e diretor de todos os profetas”.[18]  

          O Espírito também é o Mestre da oração. A oração é um algo difícil e misterioso. Difícil porque somos fadados a nos dispersar em digressões e devaneios enquanto oramos. Podemos banalizar esse grandioso privilégio com palavrórios inúteis e vazios (Mt 6.5-8).[19] Misterioso porque o Senhor da glória, o Deus santo e majestoso, estabeleceu esse meio de relacionamento conosco e nos ouve com atenção e amor.

Maringá, 21 de junho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 628.

[2] João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Edições Parakletos, 2001, (Rm 8.16), p. 288.

[3] D.M. Lloyd-Jones, O Supremo propósito de Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 313.

[4]Karl Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 20,24.

[5] “A Reforma ocupou, e deve continuar a ocupar, um legítimo e significativo lugar na história das ideias” (Alister E. McGrath, The Intellectual Origins of The European Reformation,  Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1995 (reprinted), p. 4). “Além de promover a pregação clara do evangelho, a Reforma moldou a sociedade como um todo, inclusive o governo, a cosmovisão das pessoas e a cultura em todas as suas manifestações” (Francis A. Schaeffer, O Grande Desastre Evangélico. In: Francis A. Schaeffer, A Igreja no Século 21,  São Paulo:Cultura Cristã, 2010, p. 251).

[6] “Desde o princípio, a Reforma foi um movimento tanto religioso quanto ético”   (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 180). “A Reforma Protestante não apenas buscou purificar a igreja e livrá-la dos erros doutrinários, como também buscou a restauração da integralidade da vida. Isso acarretou a libertação da vida natural do homem e das várias esferas na sociedade do senhorio excessivo da igreja. Enquanto o Humanismo foi uma tentativa de proclamar a liberdade do homem em relação a Deus e a toda autoridade, reforçando a autonomia contra a heteronomia, os reformadores se uniram em sua paixão pela liberdade do homem cristão, o que significava a subserviência à Palavra do Senhor” (Henry R. Van Til, O conceito calvinista de cultura, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 20).

[7]Francis A. Schaeffer, Morte na Cidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 12.

[8] Francis A. Schaeffer, Morte na Cidade, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 12. “A igreja em nossa geração precisa de reforma, reavivamento e revolução construtiva” (Francis A. Schaeffer, Morte na Cidade, p. 11).

[9]Karl Barth, La Oración, Buenos Aires: La Aurora, 1968, p. 9.

[10] Veja-se: Martinho Lutero,  Catecismo Maior: In: Os Catecismos,  São Leopoldo, RS.; Porto Alegre: Concórdia; Sinodal, 1983, p. 457ss.

[11]João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 1.16), p. 58.

[12]João Calvino, AsInstitutas, IV.17.36. Calvino diz que quem rejeita o “magistério do Espírito”, é desvairado. (João Calvino, AsInstitutas, I.9.1).

[13]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 4 (IV.12), p. 24.

[14]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.16), p. 41.

[15]João Calvino, AsInstitutas, II.2.20; III.1.4; III.2.34; IV.14.9.  

[16] João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 108; (Jo 16.13), p. 156.

[17] João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.17), p. 101. Veja-se também: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 2, (II.4), p. 89.  

[18]John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996,v. 8/3, (Is 48.16), p. 484.

[19] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso: A Oração do Senhor, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 25-28.

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