A Pessoa e Obra do Espírito Santo (219)

5. A Palavra como meio de santificação

                             Na Oração Sacerdotal Jesus Cristo evidencia dois dos meios de santificação: Ele ora ao Pai e especifica: “Santifica-os na verdade; a tua Palavra é a verdade”(Jo 17.17).

          Todos nós, possivelmente sem exceção, estamos acostumados – na ausência de algum elemento necessário à concretização de determinada tarefa –, a improvisar, buscando uma alternativa que atenda à nossa necessidade imediata. Deste modo, usamos ferramentas diferentes para suprir alguma carência, um adesivo ou cola para provisoriamente colar os óculos, vedar o vazamento de uma mangueira, etc. As redes sociais estão repletas de dicas muito criativas a esse respeito. Quem de nós já não se valeu de alguma delas ou  não tem a sua própria criação?

          Vocês podem estar se perguntando: o que isso tem a ver com a santificação? A questão é simples: Pedro nos diz que no campo espiritual não precisamos improvisar. Tudo que necessitamos para o nosso crescimento espiritual foi-nos concedido por Deus. Ele afirma que segundo o poder de Deus, “nos têm sido doadas todas as cousas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória”(2Pe 1.3).

          Em teologia denominamos essas “cousas que nos conduzem à piedade”, de meios de graça ou meios de santificação.[1] No Catecismo Menor de Westminster, em resposta à pergunta 88,[2]Quais são os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da redenção?”, lemos: “Os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos são as suas ordenanças, especialmente a Palavra, os sacramentos e a oração, os quais todos se tornam eficazes aos eleitos para a salvação” (grifos meus).  (Sobre a oração tratarei mais à frente em um capítulo específico).

          Em outras palavras, podemos dizer, como Berkhof (1873-1957), que Deus como “causa eficiente da salvação“[3] é quem nos comunica, por meio dos “canais objetivos que Cristo instituiu na igreja”[4] as bênçãos da salvação para o seu povo.

          Hodge (1797-1878) faz uma advertência importante:

Por meio de graça não significa todos os instrumentos que Deus quer usar como meio para a edificação espiritual de seus filhos. Esta frase é apropriada para indicar aquelas instituições que Deus ordenou como canais ordinários da graça, isto é, das influências sobrenaturais do Espírito Santo, para as almas dos homens.[5]

          O Espírito honra unicamente a Palavra. Não queiramos substitui-la por nossos métodos ou nossa experiência. Deus nos concedeu o que é suficiente. Ele não precisa de subterfúgios ou de nossa engenhosidade para edificar o seu povo, conduzi-lo à maturidade na fé.

          Lloyd-Jones (1899-1981) adverte-nos quanto a isto:

O Espírito Santo é o poder atuante na Igreja, e o Espírito Santo jamais honrará coisa alguma senão a Sua Palavra. Foi o Espírito Santo quem nos deu esta Palavra. Ele é o seu Autor. Não é dos homens! Tampouco a Bíblia é produto da ‘carne’ e do ‘sangue’. (…) O Espírito não honrará nada, senão Sua Palavra. Portanto, se não crermos e não aceitarmos sua Palavra, ou se de algum modo nos desviarmos dela, não teremos direito de esperar a bênção do Espírito Santo. O Espírito Santo honrará a verdade, e não honrará outra coisa. Seja o que for que fizermos, se não honrarmos esta verdade, Ele não nos honrará.[6]

          Biblicamente vemos que o Espírito dá testemunho de Cristo, que é a verdade (Jo 15.26/Jo 14.6); guia-nos à verdade que é Cristo (Jo 16.13/Jo 14.6); age por meio da Palavra, que é a verdade de Deus, criando em nós a fé salvadora e nos conduzindo à santificação (Jo 17.17,19; Rm 10.17/2Co 3.18; 2Ts 2.13; 1Pe 1.2).

          Quando falamos da relação do Espírito Santo com a Palavra, temos em vista que foi este o principal meio estabelecido por Deus, por intermédio do qual o Espírito age com vista à nossa  submissão a Deus em santificação.

          O mesmo Espírito que inspirou os escritores sagrados a fim de que registrassem de forma infalível e inerrante a Palavra de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21), aplica as Escrituras aos nossos corações, nos regenerando (Tt 3.5; 1Pe 1.23) e santificando.

          Pedro, assim se dirige às Igrejas da Dispersão: “Eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito”(1Pe 1.2).

          Considerando que Deus age por intermédio da Escritura, o estudo sério e sistemático da Palavra é fundamental para o nosso crescimento espiritual.

          Obviamente, não será a leitura mecânica da Bíblia que nos fará amadurecer em nossa fé em Deus. Houve e certamente há homens que possivelmente conheçam a Bíblia melhor do que nós, sabendo passagens de memória, distinguindo bem os períodos históricos, etc., mas, isto não significa necessariamente que conheçam o Deus da Palavra.

          O conhecimento de Deus e de sua Palavra evidencia-se pela prática da Palavra. “O crescimento espiritual não é místico, sentimental, devocional, psicológico ou resultado de truques secretos. Vem por meio da compreensão e da prática de princípios dados pela Palavra de Deus”, acentua MacArthur.[7]

          Por isso, quando lemos e estudamos a Bíblia devemos desejar ser conduzidos a Deus em reverência e adoração, prontos para ouvir a sua voz e praticá-la em nosso viver cotidiano.

O Espírito fala por intermédio da Palavra, nos convencendo de nossos pecados e da necessidade do perdão, nos humilhando, nos dispondo a orar, confessar, agradecer, interceder, louvar e confiar.

A palavra torna-se mais eficaz em nós conforme fomos nos quebrantando diante de Deus. “O Espírito fala ao nosso coração na medida em que nele faz morada”, interpreta Spener (1635-1705).[8]

Maringá, 21 de junho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Ver: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48. “O cultivo da piedade está preeminentemente ligado aos meios de graça. Em suma, piedade significa ter a experiência da santificação como uma obra divina e graciosa de renovação, expressada em arrependimento e justiça que progride por meio de conflitos e adversidades, seguindo o modelo de Cristo durante toda a vida do crente, na expectativa do dia quando a piedade se tornará perfeita na santificação eterna no céu”  (Joel R. Beeke; Mark Jones, orgs. Teologia Puritana: Doutrina para a vida,  São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1201).

[2]Ver também: Catecismo Maior de Westminster,Perg. 154.

[3] Louis Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 613.

[4] Louis Berkhof, Teologia Sistemática,p.609.

[5] Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976 (Reprinted), v. 3, p. 466. Em outro lugar: “Os meios de graça são (…) aqueles que Deus ordenou com o objetivo de comunicar as influências vivificadoras e santificadoras do Espírito às almas dos homens” (Charles Hodge, Systematic Theology,v. 3, 708). Ver também: Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Publishing Association, 1976, p. 634.

[6]D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 103.

[7]John F. MacArthur, Jr. Chaves para o Crescimento Espiritual, 2. ed., São José dos Campos, SP.: Fiel, 1986,  p. 7.

[8]Philipp J. Spener,  Pia Desideria, São Paulo: Imprensa Metodista, 1985, p. 77.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *