A Pessoa e Obra do Espírito Santo (213)

Comecemos este capítulo por uma definição formal de santificação.

1. O que é santificação

           Quando fomos convertidos por Deus, fomos santificados, separados do mundo para Deus. Ato contínuo, iniciou-se o processo de santificação: de crescimento espiritual, que consiste no abandono do velho modo de vida e uma progressão rumo à obediência perfeita à vontade de Deus. A santificação, portanto, começa pelo restabelecimento de nossa comunhão com Deus em Cristo Jesus.[1] Não há santificação sem restauração à comunhão com Deus.

          Hodge (1823-1886), assim define: “A santificação é a obra sustentadora e desenvolvedora do Espírito Santo sujeitando todas as faculdades da alma cada vez mais perfeitamente à influência purificadora e reguladora do princípio de vida espiritual implantado”.[2]

Packer (1926-2020) enfatiza o aspecto pedagógico da santificação, definindo-a como “um processo educacional, planejado e programado por Deus com o propósito de nos refinar, purificar, animar, firmar e amadurecer. Por meio dele, Deus nos leva, progressivamente, à forma moral e espiritual que ele quer que alcancemos”.[3]

          2. O poder de Deus em nossa santificação

Para nós não há pior obstáculo do que nosso orgulho pessoal; pois sempre queremos ser mais sábios do que o somos, e por isso rejeitamos com diabólico orgulho tudo quanto nossa própria razão não pode explicar, como se fosse justo limitar o infinito poder de Deus segundo nossa tacanha capacidade. Em certa medida, é justo inquirirmos sobre o método e a razão das obras de Deus, contanto que seja com sobriedade e reverência. − João Calvino.[4]

                    O apóstolo Paulo toma um fato histórico no qual o poder de Deus se manifestou de forma cabal e gloriosa: na ressurreição do Senhor Jesus e na sua glorificação. Escreve então:

15 Por isso, também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos,  16 não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações,  17 para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, 19E qual a suprema (u(perba/llw) grandeza (me/geqoj) do seu poder (du/namij) para com os que cremos (pisteu/w), segundo a eficácia (e)ne/rgeia) da força (kra/toj) do seu poder (i)sxu/j); 20o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, 21acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. (Ef 1.19-21).

          O apóstolo se vale de seis termos que, associados, conferem um sentido por demais grandioso, ainda que limitado,  para descrever a supremacia gloriosa do poder de Deus. Assim, ele fala de:

          a) “Suprema” (u(perba/llw) (= “ir além”, “superar”)(19). De onde vem a nossa palavra hipérbole. Tanto o verbo como o substantivo (u(perbolh/) são empregados unicamente por Paulo no Novo Testamento. O verbo é traduzido por “sobre-excelente” (2Co 3.10); “superabundante” (2Co 9.14); “suprema” (Ef 1.19; 2.7); “que excede” (Ef 3.19). O substantivo, é traduzido por “sobremaneira” (Rm 7.13; Gl 1.13); “sobremodo excelente” (1Co 12.31); “excessivamente” (2Co 1.8); “excelência” (2Co 4.7); “acima de toda comparação” (2Co 4.17); “grandeza” (2Co 12.7).

          b) “Grandeza” (me/geqoj) (19). Só ocorre aqui. A palavra é empregada para descrever a grandeza física ou espiritual.[5]

          c) “Poder” (du/namij) (19). Possivelmente esta seja a palavra mais utilizada no Novo Testamento para descrever o poder de Deus.

          d) “Eficácia” (e)ne/rgeia) (19).[6] De onde vem a nossa palavra “energia”. A palavra aponta para uma ação eficaz em atividade com vistas à concretização de seu propósito.

          Este substantivo pode também ser traduzido por “força operante” (Ef 3.7); “cooperação” (Ef 4.16); “poder” (Cl 2.12); “operação” (2Ts 2.11).

        E)ne/rgeia e seus derivados, no NT., descrevem sempre um poder eficaz em atividade sobre-humana, por meio da qual a natureza de quem a exerce se revela.[7]

          e) “Força” (kra/toj) (19).[8] Este substantivo também pode ser traduzido por “Valorosamente” (Lc 1.51); “Poderosamente” (At 19.20); “Poder” (1Tm 6.16; Hb 2.14); “Domínio” (1Pe 4.11; 5.11; Ap 1.6; 5.13); “Império” (Jd 25). Aponta para o poder que alguém possui ou, que é decorrente da sua posição. Na LXX, na maioria das vezes a palavra está associada ao poder de Deus (Sl 62.11).

          f) “Poder” (i)sxu/j) (19).[9] Também é traduzido no Novo Testamento por “Força” (Mc 12.30.33; Lc 10.27; 1Pe 4.11; 2Pe 2.11; Ap 5.12; 7.12; 18.2).[10] Tem o sentido de “poder fazer algo”, “ter a capacidade de”, podendo ser aplicado à capacidade de exercer tal poder ou força.

          Em nenhum outro texto estas palavras ocorrem de forma associada como aqui. Paulo quer enfatizar de várias maneiras a supremacia de Deus sobre todas as coisas, evidenciando que Ele opera com todo seu poder, força, grandeza e eficácia em nossa vida, os que cremos.

          Paulo ora para que Deus desvende os nossos olhos para que vejamos, entre outras coisas, a suprema grandeza do seu poder manifestado em nossa vida.[11]

          A Palavra é rica em demonstrar aspectos do poder de Deus em diversas facetas de nossa existência. Sem dúvida, uma das manifestações deste poder na vida do crente se concentra em nossa santificação.

          Deus não somente nos salva mediante a regeneração, fé e justificação, antes, opera poderosamente em nosso crescimento espiritual. O seu poder em nossa vida, não é episódico, fragmentado e assistemático mas, contínuo e eficaz.

O mesmo Deus que nos elegeu na eternidade, também nos chamou no tempo para si a fim de vivermos santamente. Deus é o Senhor dos fins e dos meios. Senhor do tempo, das circunstâncias e da eternidade. A sua obra é sempre completa conforme a sua própria determinação e graça reveladas em Cristo.

          É estimulante e confortador saber que o nosso Deus é Trino. Ele cuida de nós, nos instruindo, protegendo, disciplinando, educando, guiando, aconselhando e capacitando a fim de que juntos: O Pai, o Filho e o Espírito Santo concluam em nós a grande e majestosa obra da salvação planejada na eternidade e executada no tempo, na história, na nossa história de vida até a sua consumação final, quando seremos perfeitamente santos conforme o propósito de nossa eleição eterna.[12]

          As Escrituras Sagradas nos ensinam que a eleição de Deus não é um ato isolado, sem um desenvolvimento posterior. Antes, demonstram que o Deus Trino está comprometido intensamente com a concretização desta eleição em santidade até a consumação de sua obra. Em outras palavras, Deus está ativamente interessando e graciosamente operante na promoção de nossa santificação.  

A Santíssima Trindade opera eficazmente em nós para que sejamos santos. Por isso, fundamentados na Palavra de Deus, podemos dizer que o Deus Trino é o Autor de nossa santificação. Por isso, a oração de Paulo: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo”(1Ts 5.23).

          Creio também, que deve estar claro, que todos nós somos responsáveis por nossa santificação. Responsabilidade aqui não significa solidão ou isolamento, pelo contrário, aponta para o fato de que à luz do que Deus fez e faz, considerando os recursos que Ele nos concede, devemos estar alegremente engajados com o propósito de Deus em Cristo, de sermos santos, tendo a mente de Cristo.[13]

Maringá, 16 de junho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “A santificação é questão de estarmos corretamente relacionados com Deus e de nos tornarmos inteiramente devotados a Ele. Santificação é tornar-me positivamente santo” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, v. 3), 2006, p. 91). À frente: “Santificação é ser devotado a Deus, não somente ser separado do mundo, e sim separado para Deus e para compartilhar Sua vida – santidade positiva” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, p. 91).

[2] A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 489.

[3] J. I. Packer, A Redescoberta da Santidade, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 14. Outra boa definição temos em Milne: “A santificação é essencialmente o processo mediante o qual o Espírito torna cada vez mais real em nossa vida nossa união com Cristo em sua morte e ressurreição” (Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo: ABU Editora, 1987, p. 200).

[4]João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.9), p. 124-125.

[5]Cf. W. Grundmann, Me/gaj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 544.

[6] Fp 3.21; Cl 1.19; 2Ts 2.9.

[7]Veja-se: William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 51-57.

[8] Ef 1.19; 6.10; Cl 1.11.

[9] Ef 1.19; 6.10; 2Ts 1.9.

[10]Aqui temos uma variante textual.

[11]Ver também: Ef 3.16,20; Fp 3.10; Cl 1.9-11; 1Pe 1.5.

[12]Conforme já citamos,  “É uma grande bênção ter um Deus que não é uma Pessoa senão três. Constitui uma Trindade abundante. Porque não só um Pai que nos ama e cuida de nós, senão também um Cristo que trouxe salvação e intercede por nós e um Espírito Santo que mora dentro de nós e aplica a salvação à nossa vida” (Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo,Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, [s.d.], Edición revisada, p. 14).

[13]John Murray acentua: “A santificação envolve a concentração do pensamento, do interesse, do coração, mente, vontade e propósito, em direção à soberana vocação de Deus em Cristo Jesus e ao desempenho da totalidade de nosso ser no uso daqueles meios que Deus instituiu com o fim de atingir essa destinação” (J. Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 166).

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