A Pessoa e Obra do Espírito Santo (202)

6.3.8. O Espírito e a nossa adoção

Apesar de a eleição estar escondida no conselho secreto de Deus (que é a causa de nossa salvação), ainda assim a adoção de todos os que são implantados no corpo de Cristo pela fé no Evangelho é indiscutível. – João Calvino.[1]

Somos filhos de Deus; nosso status legal é fornecido em Cristo e garantido pelo Espírito Santo como um penhor até o dia da redenção total. Essa doutrina oferece o maior conforto e segurança aos crentes e os capacita a realizar grandes obras. – Herman Bavinck.[2]

Somente quando a cruz de Cristo satisfez sua exigência de santidade, foi possível ao Pai receber os homens como filhos. – H. Leitch (1908-1973).[3]

Alegres todos jubilemos,
Ao grande Salvador cantemos!
Ele como filhos seus nos escolheu
Ricas bênçãos ele já nos concedeu.
Seja “avante” o nosso lema triunfal,
Pois seguimos para o lar celestial – João Diener (1889-1963).[4]

            É muito comum nos acostumarmos com privilégios que temos e, nesta acomodação, incorremos na banalização do que é significativo, distintivo e grandioso ou em desperdício do que temos; o que não deixa de ser uma forma de  banalização e ingratidão. A abundância deve ser um estímulo à moderação e gratidão, não ao desperdício.[5]

As Escrituras declaram que somos filhos de Deus. Ele nos predestinou na eternidade tendo esta meta em vista, tornar-nos seus filhos. Quando Paulo se refere a Deus como pai (path/r) (Ef 1.2), destaca uma relação especial conosco.

          Ainda que os conceitos complementares de nossa filiação divina e da paternidade divina estejam expressos em toda a Escritura,[6]o ensino de que somos filhos adotivos de Deus é característico do Novo Testamento. A palavra adoção é usada exclusivamente por Paulo para descrever o ato de Deus e os seus efeitos.[7] Pedro e João falam do mesmo assunto usando a palavra regeneração.[8]

Paulo diz que o propósito eterno de Deus é nos tornar seus filhos. Deus não apenas nos redime e restaura à sua comunhão, o que por si só é extraordinário, mas, Ele nos quer como filhos. O seu amor eterno e paternal se materializa na concretização de uma nova relação na qual Ele se declara nosso pai e nós, como que aprendendo a falar, possamos, pelo Espírito dizer, “Abba Pai”: “Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos (ui(oqesi/a)[9]….” (Ef1.5).

“Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em Cristo, fora de quem nada é encontrado se não morte”, interpreta Calvino.[10]

Na adoção vemos uma expressão da bondade de Deus por meio da qual ele nos perdoa e adota, introduzindo-nos na família da fé.

Enquanto pela justificação somos declarados justos perante Deus, visto que Cristo, o Justo, levou sobre si os nossos pecados e nos vestiu com as vestes da justiça de Cristo, não nossa, [11] a adoção consiste na declaração legal de que agora, um inimigo de Deus foi reconciliado com Ele, nascendo de novo e, portanto, foi adotado como seu filho, ingressando na família de Deus, se relacionando pessoalmente com o seu Pai, passando, desta forma, a ter todos os privilégios e responsabilidades como tal. [12] Em ambos os casos, ocupamos uma nova posição: de justificados e de filhos. Já não há condenação (justificação) para os filhos de Deus (adoção).

       A regeneração e a justificação se constituem no fundamento de nossa adoção. Tornamo-nos filhos porque Deus pelo Espírito nos gerou para Ele. Por meio de Cristo fomos declarados justos: não há mais condenação para nós (Rm 8.1).  [13]

          Deus imputou a justiça perfeita de Cristo sobre nós, pecadores e condenados. Ao mesmo tempo, creditou  a Cristo nossos pecados, nossa dívida que jamais poderíamos quitar. Fomos declarados justos. Em Cristo temos a graça que pela sua justiça nos concede a justiça da fé. Esse amor foge a qualquer adjetivação nossa. É por demais sublime e inalcançável pelas nossas mentes limitadas. Portanto, na adoção temos concretizado o amor, a graça e a misericórdia de Deus.[14]

Aqui encontramos uma das maiores expressões de nossa eleição. Deus nos torna seus filhos por meio de seu único e eterno Filho, Jesus Cristo.

Estudemos agora alguns aspectos desta maravilhosa doutrina ensinada nas Escrituras.

Maringá, 03 de junho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dedicatória) p. 32.

[2]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 182.

[3] H. Leitch, Adoção: In: Merril C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 1, p. 100.

[4]Hino Saudação, nº 179 no Hinário Novo Cântico. Música de João Diener (1889-1963) com arranjo e adaptação do missionário e compositor batista norte-americano, que viveu muitos anos no Brasil (1980-2003), Ralph Eugene Manuel (1975).

[5] “Quando Deus nos provê diariamente com abundância de vinho, cometemos um sério erro se permitimos que sua benevolência se nos converta em incitamento para a luxúria. Mas será uma indubitável prova de nossa temperança se formos simples e moderados em meio à abundância”  (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.10),  p. 94).

[6] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.

[7] Ver: W.V. Martitz; E. Schweizer, ui(oqesi/a: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 8, p. 399.

[8] Cf. P.H. Davids, Adoção: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 19.

[9]ui(oqesi/a: * Rm 8.15,23; 9.4; Gl 4.5; Ef 1.5.

[10]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 4.15), p. 143.

[11]“Não há nenhuma bênção maior sob o céu do que o ter Deus, em sua misericórdia e graça, transferido a justiça de Jesus para a nossa conta” (R.C. Sproul, Estudos bíblicos expositivos em Romanos,  São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 103).

[12]Veja-se: Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Carlisle, Pennsylvania: El Estandarte de La Verdad, Edición Revisada, (s.d.), p. 177. “A adoção conferia direitos, mas também tinha uma lista de deveres” (P.H. Davids, Adoção: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 19). “Pode-se definir adoção como proclamação da nova criatura em sua relação com Deus como Seu filho. Pela adoção, então, nos tornamos filhos de Deus, e nos são apresentados e dados os privilégios pertinentes à categoria da família de Deus” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 107). “Na regeneração Deus nos dá uma nova vida espiritual interior. Na justificação dá-nos o direito legal de estar diante dele. Mas na adoção Deus nos faz membros de sua família” (Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 615).

[13]“A natureza do cristão como novo homem em Cristo, como filho, é determinada, não pela adoção, e sim pela regeneração. Tornamo-nos filhos de Deus porque nascemos de novo, porque nos tornamos ‘participantes da natureza divina’, porque o Espírito Santo entra em nós, porque nascemos de cima, porque somos uma nova criação” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 107).

[14]“Há uma diferença entre os termos amor, graça e misericórdia de Deus. O amor significa o seu desejo visível de abençoar aqueles a quem vê, como pessoas que não têm nenhum direito de exigir isto dele; a graça significa o seu desejo visível de abençoar aqueles a quem vê, como pessoas que merecem sua rejeição; a misericórdia significa o seu desejo visível de abençoar aqueles cujo estado ele vê como miserável. O amor expressa a liberdade autodeterminadora de Deus; a graça, o seu favor autogerado e a misericórdia, a sua compaixão” (J.I. Packer, A Redescoberta da santidade,  2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 62).

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