A Pessoa e Obra do Espírito Santo (187)

6.3.5. Arrependimento para a vida (Continuação)

Crentes mimados

O cristão de hoje, em especial, tende a gostar de ser mimado  pelos seus líderes. No culto ficam numa posição confortável e climatizada, analisando com certa indiferença o que é dito, percorrendo os olhos sobre os demais frequentadores buscando algo curioso, manuseando o celular, fazendo carinho em algum familiar próximo, chamando a atenção do seu familiar para alguma curiosa mensagem que chegou via zap, talvez comunicando o nascimento do filhotinho lindo do “Golden retriever” (“oh meu Deus que lindinho!”), partilhando o celular com alguém que insensivelmente quer participar do culto mas, já que não está conseguindo entender nada que não tenha muitas figuras e luzes, aproveita para perguntar quantos filhos nasceram porque tem interesse, etc.

O culto parece um exercício de relaxamento – onde não preciso pensar –, desfile de moda e amenidades. Desse modo, passamos o tempo brincando com as coisas de Deus sem nenhum tipo de escrúpulo, constrangimento ou sentimento de culpa. Afinal, a graça de Jesus é maravilhosa!, complacentemente diz para si mesmo.

Enquanto isso, nos levantamos para alguns cânticos/hinos, aproveitamos para olhar para trás ver se determinado irmão chegou… Cantamos com certa sensibilidade alguns cânticos, nos sentamos, dando uma última olhada para trás e continuamos em nossa jornada.

Somos hábeis em buscar justificativas para os nossos erros, colocando todo o ônus do mal uso de nossa liberdade, sobre os ombros dos outros, ficando assim, ilusoriamente leves. Se for caso, buscamos ainda o discurso genérico da vitimização: Deus sabe que somos pecadores… Deus é misericordioso, etc.

Todas essas atitudes são danosas, porque nos afastam ainda mais do real confronto com a Palavra, a única que pode apresentar uma ressonância de nossa alma e de sua necessidade.

Quando o diagnóstico for a própria dor, talvez percebamos quanto tempo perdemos em futilidades sem atentarmos realmente para a instrução de Deus.

Horton pontua:

A necessidade de misericórdia só é sentida depois que a realidade da culpa impressiona. (…) O grito pelo socorro da graça nunca cativará o ouvido enquanto não houver novamente um sentimento de culpa e desespero em nossas igrejas.[1]

          Por isso, entendemos que somente pela graça, por meio da Palavra, podemos ter uma clara consciência de nossa pecaminosidade ativa e concreta e de sua afronta a Deus.[2] Só conseguimos mensurar a graça, ainda que limitadamente, quando somos confrontados com o nosso pecado e a possibilidade concreta de perdão e restauração.

Ter consciência do pecado significa reconhecer o quão urgentemente precisamos de perdão. O Evangelho só se torna subjetivamente necessário – enquanto na realidade ele é urgentemente necessário – quando as pessoas percebem, por Deus, a sua necessidade. Enquanto isso não acontecer, ele soará sempre como algo descartável, ultrapassado ou loucura.

Permanecemos, assim, mortos espiritualmente, tendo a liberdade de um morto em decomposição.

Lloyd-Jones está correto ao resumir: “Não podemos ser cristãos sem convicção do pecado. Ser cristão significa que compreendemos que somos culpados diante de Deus e que estamos sob a ira de Deus”.[3]

          Reafirmamos que a questão primeira não é a quantidade ou intensidade de nossos pecados, mas, o fato de que pecamos – e, diferentemente da compreensão de determinados pensadores humanistas, inclusive cristãos[4] –; a gravidade do pecado está no ponto de que todo pecado é primeiramente contra Deus, o eternamente santo,[5] que não tolera o mal (Hc 2.13). O que intensifica ainda mais a complexidade de nossa rebelião é o mal uso que fazemos de seus esplêndidos dons que nos foram conferidos[6] e, o fato de rejeitarmos o seu infinito e santo amor plenificado em Jesus Cristo.[7] 

          Outro elemento agravante em nosso diagnóstico, é que o pecado não nos deixa perceber as suas consequências: estamos totalmente alienados de Deus. O pecado faz conosco o que determinados remédios fazem como efeito colateral: mascaram os sintomas, tornando a possível enfermidade imperceptível.

Maringá, 16 de maio de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Michael S. Horton, Os Sola’s de Reforma: In: J.M. Boice;  B. Sasse, Reforma Hoje,  São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 123.

[2] “É mister graça e iluminação espiritual para crermos que nossos pecados são um problema sério aos olhos de Deus, conforme a Bíblia nos diz. Precisamos orar para que Deus nos torne humildes e dispostos a aprender, quando estudamos esse tema” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 63. Ver também p. 70s.).

[3]D.M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 227.

[4] Dentro desta perspectiva limitante do sentido do pecado, incluímos, entre outros, Cecil Osborne (1904-1999), que seguindo o pensamento de Erich Fromm (1900-1980), escreveu: “Pecado é essencialmente um erro contra si mesmo ou contra outro ser humano” (Cecil Osborne, A Arte de Compreender-se a Si Mesmo, Rio de Janeiro: JUERP., 1977, p. 139). Fromm (1900-1980) escrevera: “Pecado não se dirige primariamente contra Deus, mas contra nós mesmos” (Erich Fromm, Psicanálise e religião, 2. ed. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, Ltda., 1962, p. 105). Veja-se também: E. Fromm, Análise do Homem, São Paulo: Círculo do Livro, (s.d.), 218p. De modo semelhante, esse conceito tem sido amplamente difundido por um discípulo de Norman Vincent Peale (1898-1993), o Dr. Robert Schuller (1926-2015), que enfatiza: “o pecado é uma ofensa psicológica a si mesmo” (Vejam-se as pertinentes críticas a esta posição em: John MacArthur Jr., Sociedade sem Pecado, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 78ss.).

[5] “O pecado envolve uma certa responsabilidade, por um lado, responsabilidade esta surgida da santidade de Deus, e, por outro lado, da seriedade do pecado como oposição àquela santidade” (John Murray, Redenção: consumada e aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 29). “Jamais compreenderemos o que o pecado realmente é, enquanto não aprendermos a pensar nele em termos de nosso relacionamento com Deus” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 64).

[6]Veja-se: Anthony A. Hoekema, Criados à Imagem de Deus,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 101-102.

[7] “O incrédulo despreza o amor de Deus. Se este amor fosse pequeno, seria um pecado pequeno ignorá-lo. Se é grande, é grande pecado rejeitá-lo. Mas o fato é que este amor é infinito. Isso faz da rejeição deste amor um pecado de proporções infinitas” (R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 19). “Como o amor de Deus é infinito, desprezar esse amor é pecado de proporções infinitas No entanto, é o que fazem aqueles que, por sua descrença, rejeitam o Filho de Deus, dom do Seu amor. (…) Rejeitar este amor é incorrer no banimento eterno da presença de Deus. Responder com fé e amor é herdar a vida eterna. Nada pode ser mais urgente do que a escolha de uma destas atitudes” (R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, p. 72).

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