A Pessoa e Obra do Espírito Santo (179)

6.3.5. Arrependimento para a vida (Continuação)

O chororô “non sequitur” e o choro bem-aventurado

Nas chamadas Bem-aventuranças, o Senhor Jesus ensina algo totalmente descabido, podemos pensar: “Bem-aventurados os que choram (penqe/w), porque serão consolados (parakale/w) (Mt 5.4).

        De todas as palavras gregas empregadas para indicar dor, tristeza e choro, possivelmente esta (penqe/w) é a mais intensa. O substantivo pe/nqoj indica luto.[1] Descreve a tristeza dos amigos de Jesus diante de sua morte e, por incredulidade, sem esperança de ressurreição: “E, partindo ela, foi anunciá-lo àqueles que, tendo sido companheiros de Jesus, se achavam tristes (penqe/w) e choravam (klai/w)” (Mc 16.10).

          É a mesma palavra empregada na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento) para descrever a tristeza de Abraão quando morre sua esposa, Sara: “…veio Abraão lamentar Sara e chorar (penqe/w) por ela” (Gn 23.2).[2]

          Do mesmo modo, descreve o sofrimento de Jacó quando pensa que seu filho José havia morrido: “Então, Jacó rasgou as suas vestes, e se cingiu de pano de saco, e lamentou (penqe/w) o filho por muitos dias” (Gn 37.34).

          A palavra refere-se ao luto pela perda da mãe (Sl 35.14/Os 4.3; Am 1.2; Jl 1.9; Lm 1.4)[3] e o choro de Daniel pela situação de Jerusalém (Dn 10.2).

          Como deve estar claro, o choro aludido na bem-aventurança indica uma dor intensa; contudo, não sejamos ingênuos a ponto de pensar que a promessa de Deus se refira ao choro provocado por qualquer grande angústia e aflição.

          Há angústias intensamente pecaminosas como foi o caso de Amnon que, antes de violentar a sua irmã, angustiava-se por não a possuir[4] ou como a do rei Acabe que, por não conseguir comprar a vinha do seu vizinho, ficou triste sem querer alimentar-se até que sua esposa, Jezabel, providenciou a morte de Nabote, podendo assim seu marido ficar com a vinha.[5] Jezabel fez uma Reforma agrária com bandeira vermelha e, como era de se esperar, em causa própria.

          Ainda que nem todo o lamento seja apenas por questões pecaminosas, certamente a bem-aventurança não contempla a todo o pesar que se manifeste em lágrimas. Pelo contexto, podemos entender que Jesus nos ensina que é feliz o homem que consegue entender o santo padrão estabelecido por Deus, percebendo a sua pequenez, entristece-se com seus pecados, por sua incapacidade de atingir o exigido pelo Senhor. Portanto, na sua pobreza espiritual, chora de arrependimento pelos seus pecados.

          Esse princípio é frontalmente oposto ao de uma sociedade que prega como virtude o senso de autossuficiência e poder. Os filósofos estoicos, na Antiguidade, no seu ideal de a)pa/qeia, indiferença a todas as emoções, austeridade e imperturbabilidade, já combatiam a dor (pe/nqoj), entendendo que ela era um sentimento, uma paixão (pa/qoj) que se deveria evitar.[6]

          Hoje não é diferente. No entanto, nesta bem-aventurança nos deparamos com um homem que, consciente de seus pecados, arrependido diante do Senhor, os confessa com tristeza reconhecendo a sua condição de um ser totalmente incapaz de satisfazer a Deus por seus próprios méritos.

Ele consiste em uma mudança de mente, ocasionando um sentimento de “tristeza piedosa”[7] pelos nossos pecados, que se caracteriza de forma concreta em seu abandono,[8] refletindo isso na adoção de novos valores, ideais, objetivos e práticas.

Um falso arrependimento é gerador de condenação justamente pela sensação enganosa de perdão e, a autocondescendência para continuar pecando.[9]

Maringá, 06 de maio de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto (pe/nqoj), nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21.4). Veja-se: Richard C. Trench, Synonyms of The New Testament, 7. ed. (revised and enlarged.), London: Macmillan And Co., 1871, § lxv, p. 224-225.

[2] Na literatura Grega a associação deste termo com a morte e o luto era comum (Veja-se: R. Bultmann, Pe/nqoj: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 6, p. 40-41).

[3] “Portava-me como se eles fossem meus amigos ou meus irmãos; andava curvado, de luto, como quem chora por sua mãe (Sl 35.14).

[4]“Tinha Absalão, filho de Davi, uma formosa irmã, cujo nome era Tamar. Amnom, filho de Davi, se enamorou dela. 2 Angustiou-se Amnom por Tamar, sua irmã, a ponto de adoecer, pois, sendo ela virgem, parecia-lhe impossível fazer-lhe coisa alguma” (2Sm 13.1-2).

[5]Sucedeu, depois disto, o seguinte: Nabote, o jezreelita, possuía uma vinha ao lado do palácio que Acabe, rei de Samaria, tinha em Jezreel. 2 Disse Acabe a Nabote: Dá-me a tua vinha, para que me sirva de horta, pois está perto, ao lado da minha casa. Dar-te-ei por ela outra, melhor; ou, se for do teu agrado, dar-te-ei em dinheiro o que ela vale. 3 Porém Nabote disse a Acabe: Guarde-me o Senhor de que eu dê a herança de meus pais. 4 Então, Acabe veio desgostoso e indignado para sua casa, por causa da palavra que Nabote, o jezreelita, lhe falara, quando disse: Não te darei a herança de meus pais. E deitou-se na sua cama, voltou o rosto e não comeu pão. 5 Porém, vindo Jezabel, sua mulher, ter com ele, lhe disse: Que é isso que tens assim desgostoso o teu espírito e não comes pão? 6 ele lhe respondeu: Porque falei a Nabote, o jezreelita, e lhe disse: Dá-me a tua vinha por dinheiro; ou, se te apraz, dar-te-ei outra em seu lugar. Porém ele disse: Não te darei a minha vinha. 7 Então, Jezabel, sua mulher, lhe disse: Governas tu, com efeito, sobre Israel? Levanta-te, come, e alegre-se o teu coração; eu te darei a vinha de Nabote, o jezreelita. 8 Então, escreveu cartas em nome de Acabe, selou-as com o sinete dele e as enviou aos anciãos e aos nobres que havia na sua cidade e habitavam com Nabote. 9 E escreveu nas cartas, dizendo: Apregoai um jejum e trazei Nabote para a frente do povo. 10 Fazei sentar defronte dele dois homens malignos, que testemunhem contra ele, dizendo: Blasfemaste contra Deus e contra o rei. Depois, levai-o para fora e apedrejai-o, para que morra. 11 Os homens da sua cidade, os anciãos e os nobres que nela habitavam fizeram como Jezabel lhes ordenara, segundo estava escrito nas cartas que lhes havia mandado. 12 Apregoaram um jejum e trouxeram Nabote para a frente do povo. 13 Então, vieram dois homens malignos, sentaram-se defronte dele e testemunharam contra ele, contra Nabote, perante o povo, dizendo: Nabote blasfemou contra Deus e contra o rei. E o levaram para fora da cidade e o apedrejaram, e morreu. 14 Então, mandaram dizer a Jezabel: Nabote foi apedrejado e morreu. 15 Tendo Jezabel ouvido que Nabote fora apedrejado e morrera, disse a Acabe: Levanta-te e toma posse da vinha que Nabote, o jezreelita, recusou dar-te por dinheiro; pois Nabote já não vive, mas é morto. 16 Tendo Acabe ouvido que Nabote era morto, levantou-se para descer para a vinha de Nabote, o jezreelita, para tomar posse dela” (1Rs 21.1-16).

[6] Cf. R. Bultmann, Pe/nqoj: In: G. Friedrich; Gerhard Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 6, p. 41.

[7] “A verdadeira conversão surge da tristeza piedosa, isto e, uma tristeza em harmonia com a vontade de Deus, uma tristeza que, portanto, não é meramente de caráter ético, mas também de caráter religioso, pertence a Deus, sua vontade e sua palavra e ao pecado como pecado até mesmo independente de suas consequências. Ela é requerida por Deus, mas também é dada por Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 141). “Se Deus nos esmaga com tristeza piedosa, isso é um ato de pura graça. É o seu ato de misericórdia para nos levar à fé e à conversão” (R.C. Sproul, O que é arrependimento? São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2014, p. 43).

[8]Analisando diversas passagens bíblicas, Bavinck, conclui: “A conversão sempre consiste em uma mudança interna de mente que leva as pessoas a olharem para seu passado pecaminoso à luz da face de Deus; conduz à tristeza, desgosto, humilhação e confissão de pecados; e é, tanto interna quanto externamente, o começo de uma nova vida ético religiosa” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 142). Veja-se também: Herman Bavinck, Teologia Sistemática,Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 479-480).

[9] Vejam-se algumas ilustrações sobre “falso arrependimento” em: Thomas Watson, A Doutrina do Arrependimento, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2012, p. 17ss; John Owen, Para vencer o pecado e a tentação, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 109; Jim Elliff, Arrependimento ineficaz. (http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/253/O_Arrependimento_Ineficaz) (Consulta feita em 06.05.21).

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