A Pessoa e Obra do Espírito Santo (147)

Um estudo de caso: A Academia de Genebra: missão como vocação (Continuação)

    No Novo Testamento, Paulo instrui a Timóteo:  “Prega a palavra (…) Pois haverá tempo (kairo/j)[1] em que não suportarão a sã doutrina” (2Tm 4.2,3). Hoje ainda temos ouvintes; mas, até quando? Hoje temos aqueles ouvintes; mas por quanto tempo? Pois haverá tempo (kairo/j) em que não suportarão a sã doutrina”.

    Aquelas pessoas que hoje ouvem a Palavra com interesse e avidez poderão não ouvir em outras épocas ou circunstâncias, daí a nossa responsabilidade de anunciar hoje a Palavra de Deus. “A Escritura nos adverte que, na perspectiva de Deus, o tempo é curto, a necessidade é grande e a tarefa é urgente”, destaca Stott.[2]

    O senso de urgência deve nos levar a falar como se aquela fosse a última vez; a mensagem cristã deve ter sempre uma conotação de apelo ao homem para que assuma, pela graça de Deus, uma posição favorável e submissa à sua Palavra. Contudo, devemos nos lembrar de que “o motivo da urgência da evangelização jaz em Deus. Porque Ele é quem é, insiste urgentemente com os pecadores para que se convertam a Ele”, pontua Kuiper.[3]

    O nosso trabalho deve ser feito com total confiança em Deus, sabendo que cabe a Ele converter o coração do homem e, que a rejeição do Evangelho neste momento não implica necessariamente na rejeição absoluta. Esta convicção nos estimula a trabalhar com fervor e alegre perseverança:

Visto que a conversão de uma pessoa está nas mãos de Deus, quem sabe se aqueles que hoje parecem empedernidos subitamente não sejam transformados pelo poder de Deus em pessoas diferentes? E assim, ao recordarmos que o arrependimento é dom e obra de Deus, acalentaremos esperança mais viva e, encorajados por essa certeza, aceleraremos nosso labor e cuidaremos da instrução dos rebeldes. Devemos encará-lo da seguinte forma: é nosso dever semear e regar e, enquanto o fazemos, devemos esperar que Deus dê o crescimento (1Co 3.6). Portanto, nossos esforços e labores são por si sós infrutíferos; e no entanto, pela graça de Deus, não são infrutíferos.[4]

    Portanto, se não vermos os frutos não devemos desanimar. Obedeçamos a Deus e descansemos em suas promessas. Caminhemos obedientemente pela fé:

Em nossos dias, Deus parece ordenar algo impossível quando requer que seu Evangelho seja proclamado em cada,  cada lugar do mundo inteiro, com o propósito de restaurá-lo da morte para a vida. Pois vemos quão grande é a obstinação de quase todos os homens, e que numerosos e poderosos métodos de resistência Satanás emprega, de modo que, em suma, todas as vias de acesso a esses princípios se acham obstruídas. Contudo, cabe aos indivíduos cumprir seu dever e não ceder diante dos impedimentos; e, finalmente, nossos esforços e nossos labores de modo algum deixarão de ter sucesso, mesmo que este ainda não seja visto.[5]

Missão, louvor e martírio

    Em 15 de maio de 1553, Calvino, depois de várias tentativas diplomáticas para libertá-los, escreve uma carta de consolo a cinco jovens missionários que, conforme as evidências pareciam apontar, estavam para serem martirizados em Lyon:

Para onde quer que olhemos daqui debaixo, Deus tem interrompido o caminho. Não obstante, nossa esperança nele, ou nas suas santas promessas não  pode ser frustrada. (…) Agora, no presente momento, a própria necessidade os exorta a elevarem a mente totalmente ao céu. Até agora, não sabemos como será o evento, mas, porquanto parece que Deus utilizará o sangue de vocês para subscrever sua verdade, o melhor é prepararem-se para esse objetivo, suplicando-lhe para submetê-los à sua boa vontade, de modo que nada os impeça de seguirem para onde quer que Ele lhes chame. (…) Uma vez que lhe  [Deus] aprouve consagrar vocês à morte na manutenção  da sua contenda, Ele lhes fortalecerá as mãos no combate e não deixará que nenhuma gota do sangue de vocês seja gasta em vão. E embora o fruto não apareça de imediato, no tempo apropriado produzirá com mais abundância do que podemos expressar. Mas assim como Ele lhes concedeu esse privilégio, para que os laços de vocês sejam renovados e o seu clamor se propague amplamente por toda a parte, é indispensável, a despeito de Satanás, que a morte de vocês ressoe muito mais poderosamente, para que o nome do nosso Senhor seja engrandecido por meio disso. Da minha parte, se foi grato a esse bondoso Pai tomá-los [para] si mesmo, não duvido que Ele lhes preservou até aqui para que o seu prolongado  e contínuo encarceramento  sirva de preparação para despertar melhor a quem Ele determinou edificar com o fim de vocês. Assim, por mais que os inimigos  se esforcem, jamais conseguirá esconder essa luz que Deus fez brilhar em vocês, para que fosse contemplada desde muito longe. (…) O fato de Deus lhes designar como mártires do seu Filho lhes serve de sinal de graça superabundante. (…) Enquanto aprouver a Deus dar o reino aos seus inimigos, nosso dever é ficarmos quietos, embora tarde o tempo da nossa redenção. (…) Há de vir o tempo em que a terra revelará o sangue que tem estado escondido, e nós, depois de nos desembaraçarmos desse corpo corruptível, seremos completamente restaurados. De qualquer modo, que o Filho de Deus seja glorificado na nossa vergonha e que nos contentemos com este fiel testemunho: que, embora sejamos perseguidos e condenados, confiamos no Deus vivo. Assim, temos com o que desprezar o mundo inteiro com a sua soberba, até que sejamos reunidos naquele reino eternal, onde gozaremos plenamente aquelas bênçãos de que agora só temos em esperança.[6]                                                                                   

    Certamente esses missionários não receberam a carta de Calvino. No dia seguinte, 16 de maio de 1563, foram martirizados na fogueira. Seguiram tranquilamente para o lugar (Place Terreaux)[7] cantando salmos  e recitando passagens bíblicas. O mais velho, Marcial Alba, com permissão do comandante (tenente), beijou os outros quatro condenados que já estavam amarrados. Sendo também preso, o fogo foi aceso. Assim foram martirizados.

Maringá, 31 de março de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]A  ideia da palavra é de “oportunidade”, “tempo certo”, “tempo favorável”, etc. (Vejam-se: Mt 24.45; Mc 12.2; Lc 20.10; Jo 7.6,8; At 24.25; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15). Ela enfatiza mais o conteúdo do tempo. Este termo que ocorre 85 vezes no NT é mais comumente traduzido por “tempo”, surgindo, então, algumas variantes, indicando a  ideia de oportunidade. Assim temos (Almeida Revista e Atualizada): Tempo e tempos: Mt 8.29; 11.25; 12.1; 13.30; 14.1; Lc 21.24; At 3.20; 17.26; “Devidos tempos”: Mt 21.41; “Tempo determinado”: Ap 11.18; “Momento oportuno”: Lc 4.13; “Tempo oportuno”: Hb 9.10; 1Pe 5.6; Oportunidade: Lc 19.44; Gl 6.10; Cl 4.5; Hb 11.15; Devido tempo: Lc 20.10; Presente: Mc 10.30; Lc 18.30; “Circunstâncias oportunas”: 1Pe 1.11; Algum tempo: Lc 8.13; Hora: Lc 8.13; 21.8; Época: Lc 12.56; At 1.7; 1Ts 5.1 (Xro/nwn kai\ tw=n kairw=n); 1Tm 6.15; Hb 9.9; Ocasião: Lc 13.1; 2Ts 2.6; 1Pe 4.17; Estações: At 14.17; Vagar: At 24.25; Avançado: Hb 11.11.

[2] John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo,São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 417.

[3]R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 71.

[4]João Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.25), p. 246-247.

[5] João Calvino, Série Comentários Bíblicos – Gênesis Volume 1,  Recife, PE.: CLIRE, 2018,  (Gn 17.23), p. 483-484.

[6] In: João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 107-109.

[7] Modernamente constitui-se em ponto turístico concorridíssimo em Lyon.

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