A Pessoa e Obra do Espírito Santo (140)

6.4. Um estudo de caso: A Academia de Genebra: missão como vocação (Continuação)

A partir de 1541, com todas as lutas que enfrentou em Genebra, pôde, contudo, reestruturar o sistema educacional desta cidade. Visto que o Estado estava empobrecido, apelou para doações  e  legados.[1] Fiel ao seu princípio de que “….as escolas teológicas [são] berçários de pastores”,[2] Calvino, que havia trabalhado com Johannes Sturm (1507-1589) em Estrasburgo (1538-1541),[3] criou uma Academia em Genebra[4] (Schola Privata[5] e a Schola Publica) tendo o culto inaugural em 5/6/1559 Cathédrale de Saint Pierre .[6]

    Como diz Compayré (1843-1913),  a Academia teve uma origem modesta.[7] Calvino,  no entanto, esforçou-se por constituir um corpo docente competente,[8] sendo ajudado neste propósito por um incidente político. Alguns ministros de Lausanne que em 1558 haviam  protestado contra a proposição de Berna a respeito da autoridade secular foram depostos em janeiro de 1559, vindo para Genebra.[9]

    No entanto, a Academia no seu início teve apenas cinco professores: João Calvino e Theodore Beza (1519-1605) que revezavam no ensino de Teologia;  Antoine-Raoul Chevalier ou Le Chevalier (1507-1572), professor de Hebraico, François Bérauld, professor de Grego e Jean Tagaut († 1560), professor de Artes (Filosofia).[10]

    A base da formação educacional em Genebra era a Bíblia. Competia à família[11] (apesar de suas limitações iniciais) e ao Estado o cuidado com a educação. No entanto, a igreja tinha um papel especialíssimo. “Por essa razão, os ministros da Palavra assumiriam a tarefa da educação nas escolas elementares e nos colégios de Genebra”, comenta Campos.[12]

    A Academia (Schola Privata[13] e a Schola Publica) iniciou  com 600 alunos  aumentando já no primeiro ano para 900 alunos[14] –, a  quem  coube a educação dos protestantes da língua francesa,  atingindo  em  sua maioria, alunos estrangeiros vindos da  França, Holanda, Inglaterra, da Alemanha, da Itália e de outras cidades da Suíça.[15]  Calvino não concebia a Academia distante da igreja, antes, sustentava dois princípios fundamentais: a unidade da Academia e a união íntima da Academia com a Igreja.[16] Com este propósito, todos os professores estavam sob a jurisdição disciplinar da igreja devendo subscrever a Confissão de Fé adotada.[17]

    Continuaremos no próximo post.

Maringá, 23 de março de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Calvino pessoalmente chegou a sair pedindo donativos de casa em casa para a escola. Vejam-se: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 192-193; Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 8, p. 804-805; Ronald S. Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 88. Veja-se, também, L. Luzuriaga, História da Educação e da Pedagogia, 17. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987, p. 108-116; Ruy A. C. Nunes, História da Educação no Renascimento, São Paulo: EPU; EDUSP., 1980,p. 97-102; T.R. Giles, História da Educação, São Paulo:  EPU., 1987, p. 119-128; Wilson C. Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1985, p. 193,196.

[2]J. Calvino, As Pastorais,(1Tm 3.1), p. 82. Schaff usa essa expressão referindo-se à Academia de Genebra, um “berçário de pregadores evangélicos” (Philip Schaff, History of the Christian Church,Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 820).   Em carta ao Rei Eduardo VI da Inglaterra (janeiro de 1551), na qual ele o instrui quanto ao uso devido das bolsas acadêmicas nas universidades, Calvino diz que “uma vez que as escolas contêm as sementes do ministério, é extremamente necessário conservá-las puras e totalmente livres de toda espécie de erva daninha”. À frente diz que as escolas devem ser pilares do Evangelho (João Calvino, Cartas de João Calvino, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p.  88,89).

[3] Ver: W. Stanford Reid, Calvin and the Founding of the Academy of Geneva: In: Westminster Theological Journal, 18, (1955), p. 5. Em Estrasburgo, diferentemente de Genebra, a “escolarização era uma prioridade suprema” e “alguns dos maiores especialistas em Educação daquele tempo estavam trabalhando ali” (Ronald S. Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma,p. 87). O próprio Johannes Strurm que foi para Estrasburgo em 1536, criou e organizou o sistema educacional (junho de 1537), organizando o Ginásio de Estrasburgo, fundado em 22/03/1538, sendo o seu primeiro reitor, mantendo-se neste cargo por 43 anos. O seu lema era: “piedade sábia e eloquente” (sapiens atque eloquens pietas) (Cf. Ruy A. da Costa Nunes, História da Educação no Renascimento, p. 182. Ver também: W. Stanford Reid, Calvin and the Founding of the Academy of Geneva: In: Westminster Theological Journal, 18, (1955), p. 5).

[4] Aprovada a criação em 16/03/1559.

[5] Esta com 280 alunos (Cf. Diener-Wyss Apud Gabriele Greggersen, Perspectivas para a Educação Cristã em João Calvino. In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 7/2 (2002) 61-83, p. 69).

[6]  Data da sessão solene de inauguração, presidida por Calvino (Charles Borgeaud, Histoire l’Université de Genève, Genève: Georg & Cº, Libraires de L’Université, 1900, p. 48; A. Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 192; Philip Schaff, History of the Christian Church,v. 8, p. 805; Calvin,Textes Choisis par Charles Gagnebin, Egloff, Paris, © 1948, p. 302; Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim, São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968, p. 195). Na ocasião estavam presentes todo Conselho e os ministros. Calvino rogou a bênção de Deus sobre a Academia, a qual estava sendo dedicada à ciência e religião. Michael Roset, o secretário de Estado, leu a Confissão de Fé o os estatutos da escola preparados por Calvino que regeriam a instituição (Leges academiae genevesis). Beza foi proclamado reitor, ministrando uma aula inaugural em latim. A reunião foi encerrada com uma breve palavra de Calvino dita em francês e oração pelo próprio (Cf.  Charles Borgeaud, Histoire l’Université de Genève, p. 48-49; Philip Schaff, History of the Christian Church,v. 8, p. 805; Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim, p. 195; John T. McNeill, The History and Character of Calvinism,New York:  Oxford University Press, 1954, p. 194). John Knox (1515-1572), antigo aluno da Academia, escreveria mais tarde a uma amiga (1556), dizendo ser a   Genebra de Calvino “a mais perfeita escola de Cristo que jamais houve na terra desde os dias dos Apóstolos” (Esta citação que está nas obras completas de Knox (Work’s, IV, p. 240), é frequentemente mencionada. Vejam-se, por exemplo: Basil Hall, John Calvin: Humanist and Theologian, Floeet Street: The Historical Association by George Philip & Son, Ltd., 1956, p. 6 e 36; John T. McNeill,  The History and Character of Calvinism, p. 178; Philip Schaff,  History of the Christian Church, v. 8, p. 263; Idem., The Creeds  of  Christendom, v. 1, p. 460; Timothy George, Teologia dos Reformadores, p. 167; W. Stanford Reid, John Calvin, John Knox, and the Scottish Reformation: In: James E. Bradley; Richard A. Muller, eds. Church, Word, and Spirit, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1987, p. 149; Machiel A. van den Berg, Friends of Calvin, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 2009, p. 228; Douglas Bond, A Poderosa fraqueza de John Knox, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 34).  Schaff observa que havia uma faculdade em Genebra, desde 1428, chamada “Faculdade Versonnex” (L’école de Versonnex), que se destinava à preparação de clérigos; no entanto ela havia entrado em decadência, sendo reorganizada por Calvino em 1541. A instrução era gratuita (Veja-se: Charles Borgeaud, Histoire l’Université de Genève, Genève: Georg & Cº, Libraires de L’Université, 1900, p. 13-18). Ainda segundo Schaff, Calvino incentivou a educação fundando diversas escolas estrategicamente distribuídas na cidade. As taxas eram baixas até que foram abolidas (1571) conforme pedido de Beza. “Calvino às vezes é chamado o fundador do sistema de escola pública”. Ele desejava criar uma grande universidade, todavia,  os recursos da República eram pequenos para isso, assim ele se limitou à Academia. Contudo até para criar a Academia ele teve de pedir de casa em casa donativos, conseguindo arrecadar a soma respeitável de 10,024 guilders de ouro. Também, diversos estrangeiros que ali residiam contribuíram generosamente, havendo também um genebrino, Bonivard [François Bonivard, 1493-1570], que doou toda a sua fortuna à instituição. (Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church,v. 8, p. 804-805; Charles Borgeaud, Histoire l’Université de Genève, p. 214).

[7]Gabriel Compayré, Histoire Critique des Doctrines de L’Éducation en France Depuis le Seizième Siècle, 2. ed. Paris: Librairie Hachette Et Cie. 1880,  v. 1, p. 149.

[8]O Rev. Chamberlain, iniciador do que seria conhecida como Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1875 escreve à Board  pleiteando a criação da Escola Normal com o objetivo de formar futuros professores. Argumenta:  “O problema mais difícil de solver na administração de um colégio (…)[é] (…) obter e conservar um corpo magistral que se dedique, com amor, ao ensino. A importância e proficuidade duma escola estão na razão direta do valor pessoal do professor. Tal mestre, tal escola. Nada valerão as escolas sem bons mestres; a personalidade do mestre como que passa para a escola e vê-se refletida em cada aluno como um semblante reproduzido em espelho facetado. Os mais belos programas e previdentes instruções se inutilizam e tornam-se ineficazes; os mais engenhosos métodos se desnaturam e viçosas esperanças se esvaecem, se o mestre for o que cumpre ser” (Apud Benedicto Novaes Garcez, O Mackenzie, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1970, p. 66-67. Veja-se, também: Boanerges Ribeiro, Protestantismo e Cultura Brasileira, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981, p. 241).

[9]Cf. John T. McNeill, The History and Character of Calvinism,p. 193; André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 192; Ford L. Battles, Interpreting John Calvin, Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1996, p. 62.

[10] Charles Borgeaud, Histoire  l’Université de Genève,  p. 64-68; 638; Gabriel Compayré, Histoire Critique des Doctrines de L’Éducation en France Depuis le Seizième Siècle,  v. 1, p. 149; W. Stanford Reid, Calvin and the Founding of the Academy of Geneva: In: Westminster Theological Journal, 18, (1955), p. 10.

[11]  Veja-se: Robert W. Pazmiño,  Temas Fundamentais da Educação Cristã, p. 148-149.

[12]  Heber Carlos de Campos, A “Filosofia Educacional” de Calvino e a Fundação da Academia de Genebra. In: Fides Reformata, 5/1 (2000) 41-56, p. 45.

[13]  Esta com 280 alunos (Cf. Diener-Wyss Apud Gabriele Greggersen, Perspectivas para a Educação Cristã em João Calvino. In: Fides Reformata, 7/2 (2002) 61-83, p. 69).

[14] Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 8, p. 805. Em 1564 a Schola Privata contaria com cerca de 1200 alunos e a Schola Publica com aproximadamente 300 alunos (Cf. Wilson C. Ferreira, Calvino: Vida, Influência e Teologia, p. 196; A. Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino,p. 192; Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante, São Paulo: Quadrante, 1996, p. 413; Gabriele Greggersen, Perspectivas para a Educação Cristã em João Calvino. In: Fides Reformata, 7/2 (2002) 61-83, p. 69.

[15] Genebra chegou a abrigar mais de 6 mil refugiados vindos da França, Itália, Inglaterra, Espanha e Holanda, (Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 8, p. 802) aumentando este número com os estudantes que para lá se dirigiram com a fundação da Academia de Genebra (1559). Lembremo-nos que a população de Genebra era de 9 a 13 mil habitantes (9 mil segundo Reid (W.S. Reid, A Propagação do Calvinismo no Século XVI: In: W.  Stanford  Reid, ed. Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990,p. 52; 12 mil conforme McNeill (J.T. McNeill, Los Forjadores del Cristianismo, Buenos Aires: La Aurora/Casa Unida de Publicaciones, [1956], v. 2, p. 211); 13 mil de acordo com Nichols (Robert H. Nichols,  História da Igreja Cristã,  São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1978, p. 164); em torno de 10 mil (William G. Naphy, Calvin and the Consolidation of the Genevan Reformation, Louisville: Westminster John Knox Press, 2003, p. 21, 36)). Cerca de 15 mil no início do século XVI conforme Reyburn (H. Y. Reyburn, John Calvin: His life, letters, and Work. London: Hodder and  Stoughton, 1914, p. 41). O fato é que em 1550 Genebra dispunha de 13.100 habitantes, saltando para 21.400 em 1560. Dez anos depois, em 1570, a população voltaria a 16.000. A casa dos 20 mil habitantes só seria ultrapassada em 1720, atingindo 20.800 (Cf.  Alfred Perrenoud, La Population de de Genève du Seizième au Début Du Dix-Neuvième Siècle: Étude Démographique, Genève: Libraririe A. Jullien, 1979, v. 1, p. 37). Schaff apresenta dados mais específicos relativos a cada período: Cerca de 12 mil habitantes no início do século XVI, aumentando para mais de 13 mil em 1543, tendo um surto de crescimento de 1543 a 1550, quando a população saltou para 20 mil (Philip Schaff, History of the Christian Church,  v. 8, p. 802. Vejam-se também: Tomas M. Lindsay,  La Reforma y Su Desarrollo Social,  Barcelona: CLIE., (1986), p. 117; Thea B. Van Halsema, João Calvino era Assim, p. 193). Segundo McGrath, em 1550 a população foi estimada em 13.100 habitantes. Em 1560 era de 21.400 habitantes. (Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 145). Biéler estima 10.300 habitantes em 1537, chegando a 13.000 em 1589 (André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 216, 220, 251 (nota 514)).  Innes sugere: 11.500 (1532); 10.300 (1537), 15.000 em 1559 e 13.000 em 1589 (William C. Innes, Social Concern in Calvin’s Geneva, Pennsylvania: Pickwick Publications, 1983, p. 301).

[16] Charles Borgeaud, Histoire l’Université de Genève,  p. 79.

[17] Elmer L. Towns, John Calvin. In: Elmer L. Towns, ed.  A History of Religious Educators, p. 170.

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