A Pessoa e Obra do Espírito Santo (122)

O Espírito como missionário

O Espírito Santo de Deus é missionário por excelência.[1] Ele é o agente da Evangelização tendo participação efetiva na consecução do propósito redentor do Deus Triúno. O mesmo Espírito que agiu na Criação, na doação da Palavra por meio de seus servos, agiu poderosamente no nascimento de Cristo, no seu sacrifício e ressurreição, atua em nossos corações, os abrindo para ouvir e entender salvadoramente o Evangelho. O Espírito está eterna e totalmente comprometido com a nossa salvação.

    “É somente sob a direção do Espírito que tomamos posse de Cristo e de todos os seus benefícios”, ensina Calvino.[2] O Espírito é chamado de “Espírito da Graça”(Hb 10.29/Zc 12.10),[3] porque é Ele quem aplica a graça de Deus aos pecadores eleitos, conduzindo-os progressivamente à conformação da imagem de Cristo.

    O Espírito é “comunicador da graça”.[4] Este ministério tem início, quando Ele nos leva a aceitar a mensagem de perdão dos nossos pecados. O Espírito anuncia que chegou o tempo da salvação, o qual é caracterizado pelo perdão para todos aqueles que se arrependem de seus pecados.

Salvação pelas obras

    Sem as obras da Trindade, jamais seríamos salvos pela graça. A graça de Deus, que é personificada em Cristo, é apenas um lado das obras redentoras do Deus Triúno. Toda a Trindade está comprometida na salvação do seu povo, tendo cada uma das Pessoas da Santíssima Trindade, conforme o Conselho trinitário, um papel fundamental.

    A obra do Espírito é distinta da obra do Pai e do Filho, porém, não é independente. A Trindade opera conjuntamente, tendo o mesmo propósito eterno: a glória do próprio Deus por intermédio da salvação do seu povo (Is 43.7/Ef 1.6; 1Pe 2.9,10).[5]

    A Teologia Reformada, fiel aos ensinamentos das Escrituras, ensina esta verdade. Packer (1926-2020), comentando este ponto, disse:

Deus – O Jeová Triúno, Pai, Filho e Espírito Santo; três pessoas trabalhando em conjunto, em sabedoria, poder e amor soberanos, a fim de realizar a salvação de um povo escolhido. O Pai escolhendo, o Filho cumprindo a vontade do Pai de remir, o Espírito executando o propósito do Pai e do Filho mediante a renovação do homem.[6]

    É precisamente isto que estamos dizendo, quando declaramos que a nossa salvação é por Deus: O Deus Triúno é o Autor e o executor da nossa salvação; do princípio ao fim, a salvação é obra do Deus da graça.[7] Paulo estimulando os filipenses, inspirado por Deus, fala de sua convicção inabalável: “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la (e)pitele/w)[8] até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).[9]

    A certeza da salvação é uma bendita esperança. É algo, como diz Schaeffer, que nos “enche de alegria, de modo que não tenhamos que ir para a cama todas as noites repassando os eventos do dia e perguntando-nos ‘será que eu ainda continuo salvo, ou será que eu me perdi?’”.[10]

    A obra do Espírito torna efetivo em nós aquilo que Cristo realizou definitivamente por nós. Podemos afirmar que sem as operações do Espírito, o ministério sacrificial de Cristo não teria valor objetivo para os homens, visto que os méritos redentores e salvadores de Cristo não seriam comunicados aos pecadores.

União com Cristo

    Calvino (1509-1564) afirmou corretamente, que é necessário que Cristo habite em nós para que compartilhe conosco o que recebeu do Pai. Ele conclui dizendo que: “O Espírito Santo é o elo pelo qual Cristo nos vincula efetivamente a Si”.[11] Em outro lugar declara: “Sabemos que nosso bem, nossa alegria e repouso é estar unido ao Filho de Deus.[12]

Aplicação dos merecimentos de Cristo

    Cristo cumpriu perfeitamente as demandas da Lei e adquiriu todas as bênçãos que envolvem a salvação. A Obra do Espírito consiste em aplicar os merecimentos de Cristo aos pecadores, capacitando-os a receberem a Graça da salvação.[13]

    O Catecismo de Genebra, declara que somente por intermédio do Espírito “recebemos todos os bens e dons que nos são dados em Jesus Cristo”.[14] É Ele quem derrama sobre nós, as bênçãos da graça, obtidas pela obra eficaz de Cristo.

    Desta forma, podemos dizer que o Ministério soteriológico do Espírito se baseia nos feitos de Cristo e, que o Ministério sacrificial de Cristo reclama a ação do Espírito (Jo 7.39/Jo 14.26; 16.13-14).[15] “A obra do Espírito na aplicação da redenção de Cristo é descrita como tão essencial quanto a própria redenção”, afirma Hodge.[16] Da mesma forma, pontua Bruner: [17] “A condição prévia indispensável para a outorga do Espírito é a obra de Cristo.

    Bavinck resume:

A aplicação da redenção pelo Espírito Santo não pode, em nenhum sentido, ser transformada na aquisição da redenção, pois, embora o Espírito Santo receba todas as coisas de Cristo, a aplicação nesse campo de operação é tão necessária e tão importante quanto a aquisição. (…) E, a esse respeito, a aquisição e a aplicação estão tão fortemente ligadas que a primeira não pode ser concebida nem existir sem a segunda e vice-versa.[18]

    A Palavra nos ensina que o Espírito Santo é o Espírito de Cristo (Gl 4.6; Fp 1.19);[19] por isso, a presença do Espírito em nós, é a presença do Filho (Rm 8.9).[20]

    Quando evangelizamos, o fazemos, confiantes de que Deus, pelo Espírito, aplicará os méritos de Cristo no coração do Seu povo. Portanto, aí está a nossa responsabilidade e o nosso conforto, conforme bem observou Graham (1918-2018):

O Espírito Santo é o grande comunicador do Evangelho, usando como instrumento pessoas comuns como nós. Mas é dele a obra. Assim, quando o Evangelho é fielmente proclamado, o Espírito Santo é quem o envia como dardo flamejante aos corações dos que foram preparados.[21]

    Portanto, desprezar esta doutrina bíblica equivaleria a perder o significado do Evangelho,[22] sustentando uma fé indefinida e por isso mesmo superficial, não condizente com a plenitude da revelação bíblica.

    Lembremo-nos:“Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem assim o Pai, como o Filho”(2Jo 9).

    Estudemos agora, o que a Bíblia nos ensina a respeito da ação do Espírito Santo no que se refere à nossa salvação.

Maringá, 24 de fevereiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se: John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo,São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 368ss.

[2] João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 13.13), p. 271.

[3] Veja-se: A.W. Pink, Os Atributos de Deus, p. 74.

[4] A.W. Pink, Os Atributos de Deus,p. 74.

[5] Veja-se: Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo,p. 54.

[6]J.I. Packer, O “Antigo” Evangelho, São Paulo: Fiel, 1986, p. 9. (Ver também: Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit,p. 18-22; R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 7-14; Idem., El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1985, p. 169-175; A.W. Pink,Deus é Soberano,São Paulo: Fiel, 1977, p. 49ss., especialmente, p. 75-76; J. Owen, Por Quem Cristo Morreu?, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 19-22; Loraine Boettner, Studies in Theology, 9. ed. Philadelphia: The Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1970, p. 117-118).

[7]“A salvação é obra de Deus do princípio ao fim; portanto, onde ela começou, certamente se completará” (F.F. Bruce, Filipenses, Florida: Editora Vida, 1992, (Fp 1.3-6), p. 42).

[8] A palavra grega além do sentido de completar (Fp 1.6; 2Co 8.6,11), tem também o de concluir (Rm 15.28); aperfeiçoar (2Co 7.1; Gl 3.3); construir (Hb 8.5); realizar (Hb 9.6); cumprir (1Pe 5.9).

[9] “A graça começa, continua e termina a obra da salvação no coração de uma pessoa” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 45). “… Em sua inteireza a nossa salvação procede do Senhor. É sua realização. Ele mesmo apresenta Sua noiva a Si mesmo por que ninguém mais pode fazê-lo, ninguém mais é competente para fazê-lo. Somente Ele pode fazê-lo. Ele fez tudo por nós, do princípio ao fim, e concluirá a obra apresentando-nos a Si mesmo com toda esta glória aqui descrita” (D.M. Lloyd-Jones, Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, (Ef 5.27), p. 137). Do mesmo modo acentua Murray: “A salvação é do Senhor, tanto em sua aplicação como em sua concepção e realização” (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 98). Vejam-se, R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo,Michigan: Subcomision Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada, 1985, p. 169ss; 177ss.; C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação,p. 12ss.

[10]Francis Schaeffer, A Obra Consumada de Cristo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 232.

[11] João Calvino, As Institutas,III.1.1.

[12]Juan Calvino, Sermones Sobre La Obra Salvadora De Cristo, Jenison, Michigan: T.E.L.L. 1988, “Sermon nº 2”, p. 23.

[13] “De fato a graça reina, mas uma graça reinante à parte da justiça não é apenas inverossímil, mas também inconcebível” (John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, p. 19).

[14]Catecismo de Genebra, (1541/2), Perg. 91. 

[15]“Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado” (Jo 7.39). “Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).

[16] Charles Hodge, Teologia Sistemática,p. 390.

[17]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 179.

[18]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 221.

[19]“E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). “Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa súplica e pela provisão do Espírito de Jesus Cristo, me redundará em libertação” (Fp 1.19).

[20] “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9)

[21] Billy Graham,Por que Lausanne?: In: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje, São Paulo; Belo Horizonte, MG.: ABU.; Visão Mundial, 1982, p. 30. A consciência de que os “resultados” da Evangelização dependem do Deus soberano, traz como implicação a nossa ousada confiança em Deus, não em nosso métodos. Packer analisou bem este ponto, fazendo aplicações complementares: “Se esquecermos que a prerrogativa de Deus é produzir resultados quando o evangelho é pregado, acabaremos pensando que é nossa responsabilidade assegurá-los. E, se nos esquecermos de que somente Deus pode infundir fé, acabaremos pensando que a conversão, em última análise, depende não de Deus, mas de nós, e que o fator decisivo é a maneira como evangelizamos. E essa linha de pensamento, coerentemente seguida, nos fará desviar em muito” (J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus,2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 22).

[22] Ver: Albertus Pieters, Fundamentos da Doutrina Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1979, p. 179-180.

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