A Pessoa e Obra do Espírito Santo (108)

                    6.2.2. O Espírito no nascimento de Jesus Cristo

18 Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo. (…) 20 Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. (Mt 1.18,20).

         Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus. (Lc 1.35).

Por isso,  ao entrar no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste (Hb 10.5).[1]

    O nascimento de Cristo foi obra sobrenatural do Espírito Santo. As Escrituras sem detalhar o fato, nos mostram com clareza a ação misteriosa do Espírito. A clareza do mistério é justamente para que não tentemos investigar o que aprouve a Deus não revelar.

    Ele veio sobre Maria a revestindo com o seu poder preservador.[2] O Espírito “formou o corpo e dotou a alma humana de Cristo com todas as qualificações para sua obra”, comenta Hodge.[3] Este foi algo processual, obedecendo as etapas naturais do desenvolvimento do feto no útero materno. Ao mesmo tempo, o Logos eterno esteve desde o início unido ao feto humano concebido pelo Espírito.[4]

    Aspectos desses fatos são descritos pelo Evangelista Lucas de forma simples e bela:

4José também subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, para a Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi,  5 a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.  6 Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, 7e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.  8 Havia, naquela mesma região, pastores que viviam nos campos e guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite.  9 E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor.  10 O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo:  11 é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor.  12 E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura (…)  22 Passados os dias da purificação deles segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor (…).27 Movido pelo Espírito, foi ao templo; e, quando os pais trouxeram o menino Jesus para fazerem com ele o que a Lei ordenava,  28 Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus (…) 40 Crescia o menino e se fortalecia, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele.  41 Ora, anualmente iam seus pais a Jerusalém, para a Festa da Páscoa.  42 Quando ele atingiu os doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume da festa. (…) 52 E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2.4-12; 22,27-28,40,41,52).

    Jesus nasceu como uma criança normal – após cumprirem-se os dias –; não sabendo falar, nem andar. Desenvolveu-se como uma criança comum, tendo que ser trocado, dado banho, amamentado, cuidado, conduzido, tomado nos braços, enfim passou por todas as experiências possíveis a uma criança normal.  Tendo também que ser educado, estimulado, aconselhado e corrigido pelos pais dentro de um processo natural.

    Este é um dos mistérios insondáveis da Palavra de Deus. No entanto, é este fato – miraculoso e incompreensível às nossas mentes finitas –, que dá sentido a todo o Novo Testamento.[5] Devemos nos alimentar da Revelação e nos contentar com isso, sem o desejo irreverente e insano de elucidar o que Senhor não quis revelar.[6] O que Deus nos revelou é pouco para nós? Saibamos, contudo, que é muito mais do que podemos conceber.[7] O pouco que revelou em relação ao todo, é demasiado para a nossa capacidade de compreensão.

    O Logos eterno tomou uma natureza humana naturalmente incapaz de qualquer ação santa sem o poder do Espírito Santo; daí a necessidade da ação santificadora e preservadora do Espírito, o preenchendo com a sua graça.[8]

    Na encarnação, o Espírito preservou a Jesus Cristo da mancha do pecado original que é a herança de todo ser humano, fazendo com que Ele tivesse uma natureza imaculada. O Espírito conservou a santidade e a impecabilidade daquele que nasceria. Se assim não fosse, Cristo não poderia se oferecer pelo seu povo, apresentando um perfeito sacrifício vicário, sem mácula e de valor eterno (Is 11.1-3; Jo 3.34; 2Co 5.21; Hb 7.26,27; 1Pe 1.18-21; 3.18).[9]

    Calvino, comentando o Credo Apostólico, resume:

Consequentemente, diz a Palavra de Deus que Ele foi concebido pelo Espírito Santo porque não convinha que aquele que fosse enviado para purificar os outros tivesse uma origem impura e contaminada. Porquanto, não seria razoável que o corpo humano que a essência de Deus iria tomar para Sua habitação estivesse contaminado pela corrupção universal dos homens.

Por isso o Espírito Santo agiu nesse mister e sobrepujou a lei ordinária da natureza, por Seu poder admirável e incompreensível para nós. Porque Ele fez com que Jesus Cristo não fosse maculado por nenhuma nódoa nem por nenhuma forma de corrupção carnal, mas nascesse com perfeita santidade e pureza.[10]

Maringá, 07 de fevereiro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Sabemos que aqui o escritor de Hebreus segue a Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento. No entanto, ainda que os termos sejam modificados, a essência do ensinamento permanece a mesma. Veja-se uma boa discussão a respeito em: Simon Kistemaker, Hebreus, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, (Hb 10.5-7) p. 383-386.

[2] Vejam-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 414; Sinclair Ferguson, O Espírito Santo,p. 47ss.

[3] Charles Hodge, Teologia Sistemática,p. 395.  Da mesma forma: John P. Thackway, A provisão do Espírito de Jesus Cristo: In: Joel R. Beeke; Joseph A. Pipa, A beleza e a glória do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã,  [p. 109-121], p. 113.

[4] Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 415-416.

[5]“A Encarnação, este milagre misterioso do coração do Cristianismo histórico, é o ponto central do testemunho do Novo Testamento” (Encarnação: In: J.I. Packer, Teologia Concisa, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1999, p. 99).

[6]“Os homens que eram devotados aos questionamentos inúteis necessitam principalmente de ser lembrados de preocupar-se com a vida santa e justa. Não há nada mais apropriado para refrear a peregrina curiosidade dos homens do que a lembrança dos deveres dos quais devemos ocupar-nos” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998 (Tt 2.1), p. 327).

 Veja-se: Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 116-117.

[7]Vejam-se: João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.3),  p. 34; John Owen, O Espírito Santo, Recife, PE.: Os Puritanos; Clire, 2012, p. 31.

[8] Veja-se: Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit,p. 109.

[9]“Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo.  2 Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR.  3 Deleitar-se-á no temor do SENHOR; não julgará segundo a vista dos seus olhos, nem repreenderá segundo o ouvir dos seus ouvidos” (Is 61.1-3). “Pois o enviado de Deus fala as palavras dele, porque Deus não dá o Espírito por medida” (Jo 3.34). “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). 26 Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus,  27 que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu” (Hb 7.26-27). “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram,  19 mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo,  20 conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós  21 que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus” (1Pe 1.18-21). “Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito” (1Pe 3.18).

[10]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.4), p. 75.

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