A Pessoa e Obra do Espírito Santo (1)

Introdução

A graça do Espírito é verdadeiramente necessária para tratar do Espírito Santo; não a fim de que possamos falar dele como corresponde – porque isso é impossível – senão para que possamos atravessar este tema sem perigo, dizendo o que está contido nas divinas Escrituras. – Cirilo de Jerusalém, (c. 315-386).[1]

A necessidade da direção divina nunca se sente mais profundamente do que quando se empreende dar instrução acerca da obra do Espírito Santo – porque delicadíssimo é o assunto que toca os segredos mais íntimos de Deus e os mistérios mais profundos da alma. – Abraham Kuyper (1837-1920).[2]

A primeira obra que Cristo realizou depois de Sua exaltação à mão direita do Pai foi o envio do Espírito Santo. – Herman Bavinck (1854-1921).[3]

          Possivelmente a Terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo, seja aquele que mais sofreu desvirtuamento nas abordagens teológicos ao longo dos séculos. Isso por mera superficialidade, a complexidade do tema Trindade, precipitações e, também, por pressuposições apressadas que obstaculizavam uma aproximação mais bíblica e humilde do tema.

          O Espírito é associado a fogo e com isso, várias derivações emotivas são feitas em cultos considerados com muito fogo, leia-se, manifestações emotivas supostamente espirituais. Por outro lado, também, há quem associe o Espírito apenas a uma força, desprovendo-o de sua personalidade e, mais ainda, de sua divindade. Por vezes, talvez por temer pelo menos uma das questões acima, o Espírito passa a ser apenas uma premissa de uma confissão de fé trinitária, sem maiores detalhes concernentes a isso. Nesse caso, peca-se pela omissão, banalizando a revelação do Trino Deus.

          Por vezes na história houve aqueles que o negavam por temerem, com razão, uma compreensão triteísta de Deus, negando assim a sua unicidade.

          Esses desvios são resultantes de uma falta de conhecimento bíblico adequado associado ao que queremos impor às Escrituras à revelia de seus ensinamentos.

          Seja como for, o tema Espírito Santo com certa frequência foi desfocado de sistemas teológicos pela incompreensão de sua natureza e ministério.

          Por essas e outras razões podemos dizer que a Pessoa e obra do Espírito Santo têm sido esquecidas! Talvez os últimos cem anos tenham sido um dos períodos mais omissos quanto ao Espírito Santo. Paradoxalmente, quando consultamos os catálogos de livros evangélicos, “navegamos” na “internet” ou adentramos em livrarias de material evangélico,[4] nos surpreendemos com a quantidade de livros, opúsculos, sermões, apostilas, cursos, “CDs”, “DVDs”,  “vídeos”, sites, e outros meios semelhantes, sobre o Espírito. De fato, reafirmo, o Espírito tem sido esquecido!

          O Espírito tem sido esquecido porque os discursos modernos sobre Ele, parecem não ser “elaborados” no Espírito, em submissão ao Espírito. Parece-me que a tentação humana é de ir “além” do que o Espírito vai; e, portanto, além do que requereu de nós. Curiosamente, estas tentativas, são permeadas por um discurso “libertador” do Espírito. No entanto, todas as vezes que tratamos do Espírito alheado do seu próprio desejo – conforme registrado nas Escrituras –, nos esquecemos do Espírito. Ele passa a ser o tema de nossas cogitações, não da sua revelação. Temos nos esquecido do Espírito![5]

          O ministério do Espírito só pode ser compreendido e avaliado de modo correto dentro da perspectiva Cristocêntrica. Um enfoque sem esta consideração consiste num esquecimento do Espírito por maior que seja o nosso desejo de “reabilitá-lo” à igreja.

          Há o perigo de enfatizarmos erradamente o Espírito em detrimento do Filho.[6] O que, sem dúvida, assinalaria mais uma vez o ostracismo do Espírito em nossas elaborações.

          Quando a igreja compreende adequadamente quem é Cristo e o seu ministério, ela honra o Espírito, porque este conhecimento pela fé só pode ser alcançado por obra de Deus (Mt 11.27; 16.17)[7] e, é o Espírito de Deus quem nos conduz à verdadeira compreensão de Cristo.

          A confissão do Cristo por parte da Igreja, é, de certa forma, a glória do Espírito (Jo 14.26; 15.26; 16.13-15/1Co 12.3).

          Bruner, analisando a atitude de Paulo em relação a alguns discípulos em Éfeso que nada sabiam sobre o Espírito Santo (At 19.1-7),[8] mostra que o apóstolo passou-lhes a ensinar sobre o batismo de Jesus (At 19.4).

Conclui:

Este fato é relevante. O remédio para aqueles que sabem pouco ou nada acerca do Espírito Santo não é instrução especial sobre Ele, nem o conhecimento sobre o acesso ao Espírito, nem uma nova coleção de condições, um novo regime de esvaziamento, de obediências adicionais, de dedicação mais profunda, ou de orações ardentes, mas, pelo contrário, simplesmente o grande fato: o evangelho da fé no Senhor Jesus Cristo e o batismo em Seu nome.[9]

          Lloyd-Jones (1899-1981) faz um comentário pertinente: A meu ver, esta é uma das coisas mais espantosas e extraordinárias acerca da doutrina bíblica sobre o Espírito Santo. Ele parece esquivar-se e ocultar-se. Ele está sempre, por assim dizer, focalizando o Filho….”.[10]

          O Espírito – como Deus que é –, deve ser estudado dentro da perspectiva da sua Palavra, em harmonia com os seus propósitos. Qualquer esforço que ultrapasse ou diminua isso, significa esquecer o Espírito, alhear-se da sua vontade.

          Lembremo-nos do Espírito, considerando-o tão somente a partir da Sua revelação, dentro do dimensionamento dado por Ele mesmo a respeito de si. O limite do nosso conhecimento está configurado nos parâmetros da revelação; tentar ultrapassá-los, além de infrutífero, é loucura (Dt 29.29).[11] Ficar aquém do revelado significa banalizar a revelação (Jo 5.39).

          Quando Cristo é compreendido dentro da dimensão do revelado, isso significa que o Espírito tem sido considerado, porque o Seu testemunho foi aceito: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim”,disse Jesus Cristo. (Jo 15.26).

          Em uma outra ponta, deve ser observada com seriedade a constatação de Packer (1926-2020):

É extraordinário que aqueles que demonstram tanta preocupação a respeito de Cristo tenham tão pouco interesse e conhecimento sobre o Espírito Santo. (…) Não será uma grande impostura dizer que honramos a Cristo quando ignoramos, e deste modo desonramos, aquele que Cristo nos enviou como seu representante, para tomar o seu lugar e cuidar de nós como Ele o faria? Será que não devemos nos concentrar mais no estudo do Espírito Santo do que temos feito até aqui?[12]

          A observação de Kuyper feita em 1888, permanece como um alerta para todos nós em pleno século XXI:

Ainda que honremos o Pai e acreditemos no Filho, vivemos muito pouco no Espírito Santo! Parece-nos algumas vezes até que somente para a nossa santificação o Espírito Santo é acrescentado acidentalmente à grande obra redentiva.

Esta é a razão porque as nossas mentes se ocupam tão pouco com o Espírito Santo; porque no ministério da Palavra Ele é pouco honrado; porque o povo de Deus, quando se curva suplicante diante do Trono da Graça, faz Dele tão pouco o objeto de sua adoração. Sente-se involuntariamente que Ele recebe uma porção muito exígua de nossa piedade, que já é bastante pequena.[13]

Maringá, 23 de setembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Cirilo de Jerusalém, The Catechetical Lectures,XVI.1: In: P. Schaff; H. Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, (Second Series), Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978, v. 7, p. 115.

[2]Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chaattanooga: AMG. Publishers, 1995, p. 3.

[3]Herman Bavinck, Our Reasonable Faith,4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984, p. 386. Ver também: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 506.

[4] Esta é também uma preocupação do movimento carismático dentro da Igreja Católica. Veja-se: Hermann Brandt, O Risco do Espírito: Um Estudo Pneumatológico,São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1977, p. 7-8.

[5] Posteriormente li algo que parece apontar na mesma direção de minha compreensão: “Todas as vezes que a ênfase de uma teologia recaiu sobre o Espírito Santo, e alegou manifestações especiais do Espírito, inevitavelmente redundou numa diminuição da ênfase sobre Jesus Cristo, contradizendo assim, as Escrituras” (Paul N. Benware, A obra do Espírito Santo hoje: In: Mal Couch, ed. ger., Os Fundamentos para o Século XXI: Examinando os principais temas da fé cristã, São Paulo: Hagnos, 2009, p. 402).

[6]Cf. D.M. Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 92.

[7]“Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27). 16 Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.  17 Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus” (Mt 16.16-17).

[8]Ao que parece eles queriam dizer que nada sabiam sobre o evento miraculoso do Pentecostes. (Ver: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 506).

[9]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 160.

[10]D. Martyn Lloyd-Jones, Deus o Espírito Santo,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1998, p. 31. À frente: “Ele não ensina acerca de Si mesmo, nem chama a atenção para Si mesmo, nem glorifica a Si mesmo. Ele está o tempo todo chamando a atenção para o Senhor, e essa é a característica de toda a obra do Espírito Santo” (D. Martyn Lloyd-Jones, Deus o Espírito Santo, p. 61).

[11]Tenho aqui em mente, as oportunas observações de Calvino: “As cousas que o Senhor deixou recônditas em secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra” (As Institutas, III.21.4). “Tudo o mais que pesa sobre nós e que devemos buscar é nada sabermos senão o que o Senhor quis revelar à Sua igreja. Eis o limite de nosso conhecimento” (João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1995 (2Co 12.4), p. 242-243). “….Que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330).

[12]J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 58.

[13] Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, p. XV-XVI.

One thought on “A Pessoa e Obra do Espírito Santo (1)

  • 24 de setembro de 2020 em 14:14
    Permalink

    Muito oportuno como sempre! Graças ao Espírito que o capacita. SDG

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *