A Palavra e o subjetivismo ético

Ainda que este nome (subjetivismo) seja moderno (século XIX), a sua percepção é bem antiga, sendo encontrada já nos Sofistas no 5º século a.C. Para o subjetivismo, a validade da verdade está limitada ao sujeito que conhece e julga. Desta forma, não podemos falar de uma realidade idêntica para todo o ser humano. Toda certeza é pessoal, visto que toda a verdade é subjetiva. O certo e o errado não estão associados às coisas em si, mas, sim, como lidamos subjetivamente com tais coisas. Os conflitos nada mais são do que interesses e desejos diferentes. O bem e o mal é aquilo que desejo que seja, conforme resumiu Thomas Hobbes (Veja-se: Thomas Hobbes, Leviatã, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 14), 1974, I.6. p. 37).

O subjetivismo privilegia o fato de que os seres humanos são diferentes e com compreensões díspares. Assim, toda a verdade encontra um âmbito limitado. No subjetivismo há, de certa forma, a arbitrariedade do sujeito que julga, formulando suas opiniões conforme os seus interesses pessoais, valendo-se de racionalizações para justificar as suas escolhas. Deste modo, uma das consequências desta postura é a convicção de que a pessoa que julga está sempre certa.

Isaías descreve o estado de subjetivismo ético em que se encontravam os líderes de Israel, praticando de forma descarada toda sorte de perversão moral; contudo, ironicamente, mudando o nome de sua prática.

18 Ai dos que puxam para si a iniquidade com cordas de injustiça e o pecado, como com tirantes de carro! 19 E dizem: Apresse-se Deus, leve a cabo a sua obra, para que a vejamos; aproxime-se, manifeste-se o conselho do Santo de Israel, para que o conheçamos. 20 Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo! 21 Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito! 22 Ai dos que são heróis para beber vinho e valentes para misturar bebida forte, 23 os quais por suborno justificam o perverso e ao justo negam justiça” (Is 5.18-23/Is 59.14-15).

Na Oração Sacerdotal Jesus declara a certeza da veracidade da palavra de Deus: “A Tua Palavra é a verdade” (Jo 17.17). Continua: “E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (Jo 17.19).

Jesus Cristo não nos diz que a Palavra de Deus se harmoniza com algum outro padrão distinto decorrendo daí a sua veracidade, antes, o que Ele afirma é que a sua Palavra é a própria verdade; o padrão de verdade ao qual qualquer alegação pretensamente verdadeira deverá se adequar. E mais: por mais verdadeiras que sejam nossas pesquisas e descobertas, se desconsiderarem as Escrituras, serão, no mínimo incompletas. Tomo aqui a arguta observação de Van Til: “Não há nada neste universo sobre o qual os seres humanos possam ter informação completa e verdadeira, exceto se levarem a Bíblia em consideração. Não queremos dizer, é claro, que alguém deve recorrer à Bíblia, em vez de ir ao laboratório, se pretende estudar a anatomia de uma serpente. Mas se alguém vai apenas ao laboratório, e não também à Bíblia, não terá uma interpretação correta, ou mesmo verdadeira, acerca da serpente” (Cornelius Van Til, Apologética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 21).

Etimologicamente, a ideia da palavra verdade é de “não ocultamento”, mostrando-se tal qual é em sua pureza, sem falsificação. A palavra confere o sentido de confiabilidade, autenticidade, honradez, segurança. Jesus diz ao Pai que proclamou a Sua Palavra a qual é a verdade; nela não há ambiguidade, dupla intenção, antes, expressa as coisas como realmente são em sua essência.

Assim, em sua oração, Jesus Cristo, em certo sentido, nos diz que a Palavra de Deus é real, não apenas aparentemente. Se me permitirem usar tal expressão, diria que a Palavra de Deus é a verdade verdadeira.

A verdade revelada nas Escrituras é a realidade como Deus a percebe. Deus percebe as coisas como são. Somente Deus, e mais ninguém, tem um conhecimento objetivo da realidade. As coisas são como são porque de alguma forma Deus as sustenta. Antes de atribuirmos valor à verdade, ela já o tem porque foi Deus quem a criou e lhe confere significado. A verdade é uma expressão de Deus em si mesmo e na Criação. Deus é a verdade, opera por meio da verdade e nos conduz à verdade. A graça de Deus opera pela verdade e, nesta verdade que foi ouvida e compreendida, frutificamos (Cl 1.6). Por isso, a verdade é sempre essencial. O Cristianismo não se sustenta amparado em aparências, circunstâncias e ambiguidades, antes, ele proclama a verdade e se dispõe a ser examinado à luz da verdade. Ou a sua mensagem é verdadeira ou não há mensagem relevante a ser proclamada.

A situação do homem alienado de Deus é de tão intensa gravidade que não comporta paliativos, abstrações e, muito menos, ficções. O propósito eterno de Deus nos fala do amor concreto de Deus que se manifesta de forma contundente na morte e ressurreição de Cristo. Sem a historicidade da morte e ressurreição não há o que fazer. Permaneceríamos em nossos pecados, fadados à condenação eterna. É por isso que a mensagem cristã é uma mensagem verdadeira e urgente.

O Cristianismo revela a sua coerência lógica e espiritual pelo seu comprometimento com a verdade. Não há relevância na mentira. A proclamação cristã insiste no fato de que Deus é verdadeiro e que Ele se revela, dando-se a conhecer. As Escrituras enfatizam esta realidade que confere sentido a toda a nossa existência, quer aqui, quer na eternidade. Deus é transcendente e pessoal; Ele se relaciona pessoalmente conosco.

Esta deve ser a convicção que dirige a vivência e a pregação da igreja em todas as épocas e circunstâncias. Portanto, devemos avaliar o que se configura como verdade à luz da Palavra. Avaliemos, oremos e votemos com consciência bíblica.

São Paulo, 22 de outubro de 2018.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

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