Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (23) – A Ortodoxia Protestante (4)

Este artigo é continuação do: Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (22) – A Ortodoxia Protestante (3)

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3. Elementos geradores (Continuação)

 

D. A Preservação da Sã Doutrina

 

O objetivo dos teólogos desse período foi preservar a doutrina bíblica de heresias, principalmente das heresias romanas, apresentando um todo sistematizado que pudesse servir de manual doutrinal e confessional da Igreja. “O elemento doutrinário tornou-se muito mais importante para a ortodoxia do que para a Reforma, onde o elemento espiritual sempre teve mais valor do que as doutrinas fixas”.[1] “Os limites entre as diversas confissões foram definitivamente colocados. Cada igreja estava particularmente ocupada com a doutrina pura”.[2] De um modo especial na Alemanha, três grandes denominações se consolidaram – Luteranos, Católicos e Calvinistas –, considerando, portanto, a grande necessidade de distinguirem-se entre si, apresentando o seu sistema doutrinário de forma precisa e razoável.[3]

 

É nesse contexto que se acham inseridos alguns dos principais Credos protestantes, que contribuíram de forma inestimável para a preservação doutrinária do Protestantismo histórico.

 

É digno de menção que, no período de controvérsias em que o lado oposto apresenta um sistema doutrinário solidamente elaborado, o oponente tende a seguir um destes caminhos: Ou apela para o sentimento, fugindo de qualquer sistematização doutrinária ou, tenta elaborar um sistema tão bom ou melhor do que o outro, partindo de um quadro de referência diferente.

 

Como temos insistido, no Escolasticismo, os teólogos estavam interessados em reproduzir de forma coerente e abrangente, a riqueza da revelação bíblica, penetrando nos pormenores das Escrituras, gerando um maior conhecimento da Palavra de Deus. Como filho indesejado deste desiderato, surgiram as discussões infindáveis de pontos nem sempre relevantes,[4] que contribuíam para o radicalismo, a intolerância e a perda do espírito bíblico, que era comum aos reformadores… Deste modo, o problema não estava simplesmente na formulação doutrinária, que era uma necessidade presente, mas sim nos exageros havidos, fruto muitas vezes, de um coração sincero, porém, sem maior discernimento. Outras vezes, acredito, que certas posições intransigentes eram tomadas no calor da disputa, que tinham por fim, preservar a Igreja do que era considerado herético. Contudo, apesar dos ideais nobres, com muita frequência, o que restava era um ministério vazio e um enfraquecimento espiritual da Igreja.

 

Nichols (1873-1955) comenta:

 

O enfraquecimento religioso e as contínuas disputas teológicas entre luteranos e calvinistas explicam o papel obscuro do protestantismo alemão nos primeiros anos da Guerra dos Trinta Anos. (…) É assim que encontramos a vida religiosa do protestantismo alemão depois de 1648, terrivelmente enfraquecida. Esta situação era a mesma, tanto entre os luteranos como entre os reformados. O ministério era pobre quanto à religião pessoal. A ortodoxia era considerada a característica mais importante de um ministro.[5]

 

E. “A Fé Explícita”

 

Devemos ressaltar, que, ao mesmo tempo, em que a doutrina cristã precisava ser apresentada de forma mais completa possível; considerando a autonomia individual proclamada pela Reforma, estes ensinamentos deveriam ser inteligíveis ao cristão mais simples, para que ele pudesse filiar-se à Igreja, conhecendo o que ela cria e ensinava.

 

***

 

Apesar de exageros de ênfase, conforme já mencionamos, não devemos nos esquecer de que nesse período há evidências de uma viva e sólida piedade cristã.[6] Isto se torna ainda mais patente, quando encontramos na obra do pai do Pietismo, Ph. J. Spener (1635-1705), Pia Desideria (1675), o reconhecimento da piedade de Johann Gerhard (1582-1637), tido como um dos maiores teólogos luteranos da ortodoxia. Spener o chama de “piedoso teólogo”.[7]

 

Mais surpreendente ainda, é a citação da obra de Gerhard, Harmonie Evangelistarum (1627), feita por Spener:

 

Aqueles que não têm o verdadeiro amor a Cristo e negligenciam a prática da piedade, esses não alcançam o pleno conhecimento de Cristo e a mais rica concessão do Espírito Santo. Para se obter o verdadeiro, vivo, ativo e salutar conhecimento das coisas divinas, não é suficiente ler e estudar as Escrituras. Aí é preciso que se acrescente o amor de Cristo, ou seja, que haja o cuidado de não pecar contra a consciência – do contrário, levanta-se uma barreira contra o Espírito Santo – e que se busque com afinco a vida piedosa.[8]

 

Abraão Calovius

Spener dá tratamento semelhante a outro teólogo luterano, um dos principais representantes do Escolasticismo Protestante do século XVII, Abraão Calovius (1612-1686), conhecido por sua piedade, bem como por um espírito polêmico e exclusivista.[9] Spener faz uma extensa citação de sua obra, Paedia Theologica de Methodo Studdi Theologici (1652), aconselhando os estudantes de teologia a seguirem a orientação de Calovius.[10]

 

 

 

São Paulo,13 de dezembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


 

[1]Paul Tillich, História do Pensamento Cristão, São Paulo: ASTE., 1988, p. 253.

[2]B. Lohse, A Fé Cristã Através dos Tempos, p. 231.

[3] Ver: Alister E. McGrath, Teologia, sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, p. 113ss.

[4]Vejam-se: Bengt Hägglund, História da Teologia, p. 262; L. Berkhof, Introduccion a la Teologia, p. 80.

[5]Robert Hastings Nichols, História da Igreja Cristã, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1978 (edição revisada), p. 198.

[6]Cf. W. Walker, História da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE., 1967, v. 2, p. 190.

[7]Philipp J. Spener, Mudança Para o Futuro: Pia Desideria, p. 107.

[8]J. Gerhard, Harmonie Evangelistarum, capítulo 176, p. 1333b. Apud Ph. J. Spener, Mudança Para o Futuro: Pia Desideria, p. 107.

[9]Vejam-se: S.N. Gundry, Calóvio: In: EHTIC., I. p. 224-225; A. Tholuck, Calovius: In: RED.,v. 1, p. 365. Ainda que ele negasse o seu gosto por controvérsias (Cf. Ian Sellers, Calovius: In: Wilton M. Nelson, ed. ger. Diccionario de Historia de la Iglesia, Miami: Editorial Caribe, 1989, p. 192).(Doravante, citado como DHL).

[10]Veja-se:. Ph. J. Spener, Mudança Para o Futuro: Pia Desideria, p. 105-106.

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